domingo, fevereiro 01, 2004

Viagem de Mariana ao centro da vida




Foi num dia de acaso cinza que Mariana descobriu a porta.
Era redonda e estava tão dissimulada na estrutura rugosa que, não fora ter sonhado que ali estava, por sete noites seguidas, jamais daria com ela.
Procurara, procurara... e lá estava:
Quase invisível, a frincha.
Carregara com um dedo na abertura e o círculo, saltando, envolveu-a
Deu-se conta de estava sobre seda, raiada, húmida, intensa.
À sua frente, um vasto horizonte, que era feito de protuberâncias, um labirinto entre elas, onde baloiçavam plumas, leves, macias, pequenas.
Ante seus olhos faiscavam minúsculas partículas, brilhantes como centelhas, bolinhas eriçadas que divagam incertas.
Mariana olhou ao alto e deslumbrou-se perante a abobada lisa, feita de azuis transparências.
Até onde chegaria?
Esse era o mistério que intentava desvendar Mariana, no caminho dos seus sete sonhos seguidos, que nunca se concluíam em respostas.
Estendeu os braços, as palmas das mãos viradas para cima.
As bolinhas, envoltas em sedosos pelos, vieram suavemente cobri-las.
A pouco a pouco,sentiu-se coberta, revestida, como se a escondessem, a acolhessem, a quisessem.
Sorriu, estendeu a língua e sentiu doçura.
Olhou aos pés:
Os sapatinhos brancos desapareciam sob o tapete fofo, as pernas meio submersas naquelas partículas, que ora assentavam, ora levitavam em suaves mas não pressentidas brisas.
Tudo era silêncio.
Deu um passou e
não sentiu nem o seu peso nem o das fofos grumos de amarelo intenso que quase a submergiam.
De repente, algo tremeu.
Mariana arrepiou-se, não se susto ou de arrependimento, mas de uma saudade inaudita.
Sentia-se escorregar de modo quase imperceptível.
As pequeninas ogivas iam estalando uma a uma, abrindo-se como se pétalas, e de dentro de cada um talo lácteo e vigoroso brotava e crescia, tenso e determinado.
Quis tocar-lhes, mas a distancia ente o labirinto eriçado e os pequenos braços ia-se tornando pouco a pouco maior; era impossível palpá-los, saber ao tacto de que matérias seriam feitos.
As pluminhas amarelas iam encolhendo, dobrando-se em espirais de fios secos, como pequeninos tentáculos inertes.
A luz suavizou-se.
Olhando o alto de novo, Mariana notou que a abóbada passara de transparente a translúcida e que um brilho de nácar se notava além dela.
De repente, sentiu-se em desequilíbrio e o circulo redondo onde penetrara, expulsou-a de repente, deixando-a estupefacta diante da parede lavrada, de novo uniforme, sem marca.

Por muito tempo lhe ficou na memória das papilas aquele sabor de doçura.
E os sapatinhos brancos ficaram para sempre salpicados de minúsculas estrelas.


Depois os sonhos voltaram, de vez em quando, intercalados.
Neles, Mariana sobrevoava a cúpula, que crescia, se ampliava.
Estendidas, as palmas das mãos abertas resplandeciam, lançando longe, a perder de vista, raios de luzes coloridas, vibrantes, intensas.

Dentro de si, as perguntas respondiam-se a si mesmas e um sorriso de indecifrável serenidade fazia com que diante dela todos se sentissem aliviados de quaisquer mágoas.



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