segunda-feira, fevereiro 27, 2006


Tempo de Escuridão



Na escola primária, onde perdi 4 anos de vida (eu sabia ler e escrever, sequer andava em classe certa: sentava-me onde calhava).
Aí, onde os meninos iam descalços e quase nus sobre a neve, as professoras ficavam furiosas de ser colocadas... e descarregavam toda a raiva sobre nós, pobres crianças: réguada que se escutava à distância ao estalar sobre as mãos enregeladas... que, saindo da escola, ainda tinham de ir trabalhar.
O alimento: pão com azeitonas.
Na casa das minhas avós tudo se fazia: eram economias medievais de auto-subsistência, portanto comida nunca faltava.
Mas faltava amor e cuidado.
Era como se eu não existisse: se aparecia, comia; se não aparecia não comia.
Quem se importava se eu dormia ou me levantava, se estava doente ou triste?!
Nunca na vida alguém foi à minha escola (falo de 11 anos em que andei na escola, até concluir o liceu)
Cheguei no primeiro dia, sentei-me na carteira da frente com um sorriso de orelha a orelha, escrevi os meus cinco nomes na capa do caderno, e fiz pose (como via nas figuras) declarando:
- É assim que se está na escola!
... Ora eu nunca tinha convivido com outras crianças, nem sabia brincar como elas.
Recortava bonecos de papel e fazia teatrinhos, onde contava a mim mesma muitas histórias.
Como andava de casa em casa, nunca tendo poiso certo, ora na cidade ora no campo, captava coisas daqui e dali... inventava cantigas e brincadeiras.
As outras meninas (meninos do outro lado de um muro alto) tinham pais, muitos irmãos, brincavam de imitá-los...
Eu, a quem chamavam "a orfã", era diferente... apanhava pancada de todos: das colegas, em casa, da professora...
Nem falo, depois, do meu pai psicótico e da minha madrasta!
Perdi muitas coisas, mas salvei algumas: escrevia poemas "para guardar" em cadernos que forrava de plástico; escrevi "a minha história" sei lá quantas vees... mas perdi os cadernos do liceu, onde tinha lindas redacções, que passavam em todas as turmas - tenho pena.
Por exemplo: "A Sinfonia da Vida" é uma redacção antiga.
Também tenho pena dos livros escolares... se faltava espaço, as minhas coisas eram deitadas no lixo.
Naquele tempo ninguém se importava com os sentimentos das crianças... era um tempo muito cruel, para todos: tempo de fome, de prisão e tortura, se vires filmes de como vivíamos julgarás que estás a ver a reconstuição de um tempo centenas de anos antes do século vinte.