domingo, fevereiro 01, 2004

Outono No Cais


Tardinha calma e serena. À beira do cais vejo o sol encolher os alaranjados raios e mergulhá-los no mar.
Uma campainha toca, um barco atraca. Põem uma prancha e a gente passa, rotina do dia-a-dia; gente que vai e vem correndo, indiferente.
Sobre o rio, as gaivotas mergulham e fazem ninhos das ondas, ninhos verdes e frios onde só peixes nascem.
A noite desce e as luzes acendem-se. Caminho à toa, aos empurrões dos outros e dando empurrões também...
Ora! Para quê? Não tenho pressa nenhuma...
- Desculpe!
- Ãh?! Ah, não faz mal!
Lá vai apressada, os livros debaixo do braço, a bata branca esvoaçando à aragem fresca que, agora, se faz sentir.
Tenho frio. O vento sopra mais forte. Já escureceu por completo.
Para cá e para lá, caminho rente à água, continuo a divagar, a ver o que me rodeia, sobretudo a pensar.
- Quentes e boas!
O grito de guerra do homem das castanhas. Veio mesmo a calhar!
Aproximo-me dele, que tira do assador uma porção de coraçõeszinhos castanho-negros, fumegantes. Pago e vou-me embora. O calor das castanhas sabe-me bem nas mãos enregeladas.
Continuo a caminhar pelo cais, agora também eu apressada, em busca de um autocarro vazio. Entro e sento-me. Olho lá para fora. Os vultos continuam a girar perante mim, indefinidos, silenciosos.
Ao longe... coisa nenhuma: o nevoeiro cobre a outra margem e céu e rio confundem-se numa massa negra que, mais além, a ponte marca com um tracejado hesitante.
Umas gotas de chuva batem, ralas, no vidro a meu lado. Um cauteleiro passa, de gola levantada e boné enfiado até às orelhas.
- Olhá Lotaria! Olha Taluda d' Ótono!
Mais gente entra no carro, que arranca lentamente, subindo a avenida.
Dos lados, as árvores já estão quase despidas e no chão as pessoas, de impermeáveis e chapéus de chuva, passam depressa, pisando e chutando montes de folhas secas que se misturam com a água que corre pela beira da rua.
Embalada pelo motor, que geme e guincha, encolhida no meu canto, abandono o cais.
De vez em quando a cabeça cai-me para a frente. Levanto-a e arregalo os olhos, pesados de tristeza e sono.



Sem comentários: