sábado, maio 14, 2005

Muito alcança quem não cansa!




Bem que Faustino saltitava, alternando as pernas!
Bem se apoiava na pontinha das garras!
Qual quê!
O sol ardia no céu, como se Deus nessa tarde tivesse acordado com vontade de sol frito em frigideira azul cobalto.
O pobre, de pupilas encolhidas num finíssimo losango, desatinava.
O sangue lá dentro fervia.
A cabeça em triângulo rodava... Rodava por dentro, de febre e fadiga e rodava por fora em busca de sombra.
Cada grão de areia era uma agulha em brasa que atravessava a escama e lhe feria a ténue membrana da pata.
Desatou numa correria, sem saber para onde ia... mas ao menos tentava remediar qualquer coisa de tanta que o incomodava.
Seguiu numa carreira, ziguezagueando como louco, pensando:
- Se me virem julgam que é da cerveja... Ah, uma cerveja gelada, borbulhante e loira a escorrer pela goela...!
Não pensem que um réptil tem miolos de galinha... ora essa!
Faustino era um poço de inteligência
- ...Ah, um poço!
Um poço de água rasa, fresquinha, muitos limos à tona; girinos na chocadeira...
Faustino muito corria, mas onde o que sonhava?!
Longe, rubro em meio ao amarelo fulgente do solo, vislumbrou um livro caído ao desleixo, a lombada soerguida, as páginas desalinhadas, como se as palavras coscuvilhassem entre elas.
- Ena! ... Uma sombra!
Faustino deslizou como um raio, de cabeça perdida, sem pensar que podia aninhar-se, ali escondida, uma armadilha... Pensava era na frescura, no alívio que teria, no descanso das pernas musculosas de tanto balanço que nem bailarino em palco!
Ele, um lagarto a bailar num palco!
... Riu-se muito o Faustino, que era pequeno e esguio, curioso e ladino... em todo o buraco metia o focinho!
Por isso já fora ao teatro, à ópera, à escola...
Pensam que um lagarto não pensa?! – Engano vosso!
Entretanto atingiu o refúgio... estendeu-se ao comprido... suspirou de alívio!
Ofegando, deixou que a temperatura se equilibrasse um pouco, depois virou-se e leu alto:
“O senhor presidente decretou que a açude será inaugurado pelas sete da tarde”.
Virando a cabeça para a sua sombra no chão, Faustino consultou o relógio
– ora essa! Seis e meia!
Ao longe, o ruído da banda feriu-lhe a sensibilidade das membranas auditivas.
As rodas dos carros todo o terreno abalaram o chão e Adolfo estremeceu
– Ai que o livro descai! ... Gritou para consigo mesmo.
Cada vez mais perto, o tumulto.
Já distinguia sobre as caixas abertas dos camiões, uns rolos imensos com mangueiras enroladas.
Os carros dos bombeiros, as limusinas com tejadilhos abertos, e humanos gordos, vermelhuscos, embonecados em trajes de brancos linhos.
Adolfo pensou que era hora de erguer as patas dianteiras ao céu:
– Adeus mundo, que tão breve foste e depois de me assares me comeste!
... mas pareceu-lhe fora do tempo verbal a oração.
– Espera lá! Eu posso estar tisnado mas assado... nem por isso!
– E quanto a ser comido... Deus me livre, que arrepio!

Lembrou-se logo da falecida que vira desaparecer esperneando nas mandíbulas de uma cobra safada... Que horror!
Deu um salto, e correu, correu, correu...
– Para onde irei? Aonde haverá um penhasco, uma árvore, aumm... pum!
– Um poste!... ainda discerniu, antes de cair de pantanas.
– Ai! Ui! ... Ai a minha cabecinha, como dói!
Mas o barulho alto lembrou-o da inundação que em breve se desataria daquela embrulhada toda...
– Pernas, para que vos quero?!
Tomou balanço, abraçou o mais que pôde o largo tronco e subiu, subiu, subiu subiu....
Viu as horas, pelo relógio da sombra... Da sombra do poste do chão, ora essa... Não estão pensando que o Faustino ia despencar do poste só para saber o tempo, pois não?!
Soou algo como chuuuuuuaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Os tambores rufaram:
– Zabum! Zabum! Zabum!
Os humanos alinhados e de branco subiram ao palco armado na caixa de outro camião... e o falatório enjoativo, monótono, as vénias à direita e à esquerda...
Que nem na torreira suas excelências esqueciam as “boas maneiras”... Faustino fez uma careta.
A água entretanto jorrava...
Lá de cima, Faustino alcançou então a descoberta:
O seu grande deserto, onde se esfalfava e quase se escalfava não passava de uma regueira aberta entre dois campos de soja.
– Ora esta! Bendita a hora em meti o focinho na escola!
... E então, só então, agradeceu lá do alto ao Altíssimo a sorte que tivera!


Maria Petronilho,
14/5/2005

segunda-feira, maio 09, 2005

DEUS



EU TENHO DE DEUS UMA IDEIA: UM CAMINHO PARA A PERFEIÇÃO, PARA A PAZ, PARA O AMOR ENTRE TODAS AS COISAS: ENTRE OS HOMENS E TUDO QUANTO EXISTE: POR ISSO TODO O SOFRIMENTO ME DÓI TANTO...

TODO O SOFRIMENTO ME PERTENCE, PORQUE EU FAÇO PARTE DO TODO E O TODO FAZ PARTE DE MIM: O TODO É DEUS!




Maria Petronilho

... Se a Poesia vem...


Há dias em que uma súbita rosa desabrocha na palma fria da mão.
Olhamos e vemos que íamos distraídos vida fora pensando em coisas fúteis, relegando no inconsciente o que na verdade interessa:
O amor e o sonho.
... E se a poesia vem com tão belo traje ao nosso encontro, torna-se límpido rio em que nos banhamos ... renovamos a alma!
Hoje esse milagre aconteceu.
Envolveu-me em raios de sol num dia de sombra... Fez-me feliz!

Maria Petronilho