
"A separação"
Anselmo e Adriana tinham enfim concluído que não havia outra opção senão seguir cada um o seu rumo.
Prolongaram o sacrifício de manter um casamento de aparência por amor de Andreia... porém esta crescera, estava em plena adolescência e decerto já conseguia entender a diferença e amor e amizade.
Crescera feliz, sem suspeitar dos conflitos entre os pais.
Tudo ajustado entre eles, havia agora que encontrar a forma de dizer-lhe da resolução tomada, sem que nem a figura paterna nem materna descessem na sua consideração, pois que, pedras basilares da formação de todo o indivíduo, tanto custara aos dois manterem-se juntos, afim de que cimentarem a personalidade do ser inocente e puro que em amor deram ao mundo.
Num sábado de sossego, Anselmo sentou-se num dos cantos do sofá, baixou o som do sempre presente televisor e acenou a Andreia, que ia passando, despreocupada.
A menina sentou-se a seu lado, descontraída mas com ar inquiridor.
- O que é tu tens, pai? Que ar de preocupação é esse?
- Sabes, filha? Preciso falar contigo. De um assunto muito sério.
A menina virou-se mais para ele, cruzou uma das pernas sob o corpo e colocou-lhe a mão no braço
- Vá lá, desembucha! Que se passa?
- Filha, sinceramente, nem sei por onde começar.
- Bem, é melhor deixares-te de rodeios e ires directo ao assunto!
- Filha, sei que sei vai ser doloroso para ti, mas eu e a tua mãe resolvemos separar-nos.
- Separar-se, pai?!
- Sim, filha. Já tens onze aninhos, és uma menina inteligente e de certeza já notaste que os teus pais são bons amigos. Apenas bons amigos. E que só com amizade, não existindo amor, não podemos ser felizes.
Lágrimas afloraram aos olhos da menina, que balbuciou, o peitinho tentando conter os soluços:
- Então porque não se separam antes de eu nascer?!
- Filha, se soubéssemos que o nosso amor acabava, não teríamos casado.
Os soluços soltaram-se, as lágrimas rolaram
- E nem pensaram em mim?! Como querem que aceite ver os meus pais separados?! E a vergonha que vou sentir na escola?
E se amanhã outro homem tomar o teu lugar junto da mãe ou outra mulher ocupar junto de ti o lugar dela?!
- Entendo o que tu sentes.
Mas peço-te que entendas o nosso ponto de vista. Estamos cansados deste viver-de-faz-conta. Mantivemo-nos juntos para que crescesses com uma bonita imagem nossa. Tentámos tudo para te não dar este desgosto Agora pedimos-te que nos ajudes tu a ser mais felizes.
- Mas pai!... Porque não se separaram então quando eu era mais nova? Não teria a noção das coisas. Não me faria doer tanto este sentimento. Acharia tudo mais natural...
- Sim, isso é certo. Mas nós tudo tentámos para salvar o nosso casamento, evitar a separação.
Agora estamos cansados deste pesadelo. Há muito que o nosso amor acabou.
Porém tu és a consequência bonita desse amor que existiu e há-de existir sempre, de mim e de tua mãe, que há-de ser eterno, através do sangue que corre nas tuas veias.
A menina deixou a cabeça escorregar no peito no pai, foi a pouco aninhando-se no seu colo.
De olhos abertos no vazio, falou baixinho:
- Bem que eu sentia algo estranho! Via-vos alheios e tristes.
Nunca vos vi abraçados, a darem beijos, como nos filmes...
Acho que te percebo: se vocês se separarem poderemos ser os três mais felizes...
Anselmo não pode conter mais as lágrimas, que enfim lhe aliviavam o peito.
Abraçou a sua menina, beijava-lhe os cabelos, enquanto lhe dizia baixinho:
- Minha filhinha querida! Eu sabia que ias entender. Eu sabia que podia contigo para nos ajudares a libertar-nos deste tormento que temos vivido.
Com a tua ajuda, alcançaremos a felicidade com que tanto sonhámos!
E ficaram muito tempo, confortando-se um ao outro, no silêncio da tarde, partilhando a sorte que lhes coubera, aceitando-a por fim, mais unidos que nunca.