segunda-feira, abril 05, 2004


"DUAS GERAÇÕES"





Adriana era observadora.

Nada do que se passava à sua volta lhe era indiferente,

Via os colegas da escola a fumar, a namorar, sem se preocuparem sequer com o olhar de reprovação dos professores, ousando intimidades na frente de todos; mudando de companheiros sem que o carinho tivesse interesse nas suas escolhas.

Escutava-os recriminar os pais e planear formas de os levar a comprar objectos de que não precisavam, só por estarem na moda, ou as marcas serem as mais publicitadas.

E via também que alguns mal conseguiam fazer face às despesas indispensáveis.

Vinham da periferia da cidade, muito cedo, em autocarros lotados, comiam sandes ao almoço, usavam joelheiras nas calças e ténis cambados.

Ela morava com os pais, numa casa confortável, onde nada faltava.

Mas, para isso, pensava, quanto sacrifício oculto!

Ela e seu pai mal se viam, não conversavam.

Ele chegava exausto, tirava o casaco, sentava-se em frente do televisor, ligava-o e ficava passando de canal para canal, absorto.

Ela, vendo-o assim, ia para o seu quarto, triste, vazia por dentro.

Viviam juntos mas separados. Tinha de fazer algo.

Nessa tarde, aproximou-se, sentou-se num banquinho à sua frente e olhou-o com insistência, esperando chamar-lhe a atenção.

Ele, de modo reflexo, poisou o olhar na mocinha, surpreso.

Adriana não sorriu, olhou-o nos olhos, ainda mais fundo, e disse baixinho:

- Pai, já viste que quase nunca paramos para falarmos um pouco?

- É verdade, querida.

E, desligando o televisor, e endireitando-s

- Diz lá, sou todo ouvidos!

- Pai, acaso já reparaste que não sou mais uma menina pequena?

- Ele olhou a jovem na sua frente, como se a visse pela primeira vez.

- O seu corpo arredondara, as suas formas femininas sobressaiam, o seu aspecto e expressão eram os de uma mulher adulta.

- Desculpa, filha! Na rotina do dia a dia o tempo passa quase sem darmos por isso.

- Andas tão preocupado, que nem reparas que eu existo e cresci, pai! Não estás atento às minhas necessidades...

- Mas filha, eu faço tudo para que nada te falte!

- Pois fazes. Fazes tudo para que nenhuma coisa me falte. Mas acaso conversas comigo?!

Que sabes acerca do que eu penso? Da carreira que tenciono seguir? Nem sequer as minhas notas escolares perguntas!

Ele sentiu um grande peso dentro do peito, O seu rosto ensombrou-se.

- Estás a dar-me a reprimenda que eu mereço escutar, minha filha!

Não tinha tomado consciência do meu comportamento indiferente, uma vez que tudo o que faço é pensando no teu bem-estar... e os olhos toldaram-se-lhe.

- Não fiques triste, pai! Não pretendo recriminar-te, apenas chamar-te a atenção.

E pedir-te que olhes bem a nossa vida e a dos outros.

Vê quantos dos meus amigos seguem caminhos tortuosos pelas mesmas razões. Os pais mal se vêem, mal se falam.

Entram, saem: Moram na mesma casa mas mal se encontram, mal se conhecem por dentro. Os pais nem se apercebem que os filhos precisam mais que nunca da sua atenção!

O pai sentiu uma lágrima que hesitava, não se conter e rolar pela face.

- Tenho sido muito egoísta, não reparando na jóia de moça em que te transformaste, minha filha! Acordo a pensar nas tarefas que me aguardam no emprego, para ficar bem visto, ser promovido, trazer melhor salário e dar-te maior conforto. Penso que isso é o essencial. Vejo as notícias acerca da droga, da AIDS, do alcoolismo, da obesidade ou da bulimia... processos que os jovens encontram para se aturdirem e chamarem as atenções...... mas sempre penso que tais enfermidades estão longe, só acontecem aos outros.

- Pois é, pai!

A vida mudou muito desde que tu tinhas a minha idade e nem te apercebeste. Vives fechado no teu mundo, não dás conta do presente e que as maiores dificuldades hoje são de comunicação entre os membros da família.

- Adriana! Prometo-te que hoje começa uma nova etapa nas nossas vidas, que não se passará dia algum sem contarmos um ao outro os nossos problemas e anseios!

E os braços de um e de outro encontraram-se, num estreito abraço, enquanto ela lhe dizia baixinho

- Eu sabia que podia contar contigo! Que apenas andavas distraído, mas és o melhor pai do mundo!

E ele, do mais fundo da sua alma, apenas pôde balbuciar, comovido:

- Obrigado, minha filha!