terça-feira, novembro 29, 2005

Deixem-me ser criança




Eu não sabia brincar como as outras meninas, que só conheci aos 7 anos... as minhas brincadeiras eram fazer teatrinhos com bonecos recortados de papel, que contavam histórias.
Também inventava cantigas.
Não tendo poiso certo, não tinha hábitos, muito menos a quem imitar.
Achava esquisito que as outras meninas não soubessem ler.
Imaginas quanto elas me achavam esquisita a mim?!
Não tinha ninguém, portanto toda a gente descarregava a raiva batendo impunemente na mais pequenita, que só se safava quando adentrava por meio de penedias onde até os adultos tinham medo de entrar.
Pensava: quando chegar à 4ª classe hei-de ser grande e ninguém me há-de bater!
Pois sim!
O problema não foi ter crescido pouco, mas terem-me batido tanto... e se a pancada por fora dói, mais dói por dentro, se não se encontra razão para ser espancada a torto e a direito...
Quando tinha doze anos, por trancos e barrancos, herdei umas velhas bonecas... que alegria brincar com elas!
De trapos, vesti-as de princesas... e eu vestia trapos que os outros iam deixando... ao mesmo tempo lia Sartre, Steinbeck, Tostoi, filósofos, clássicos .... li "As Metamorfoses" de Ovídio, em francês.
Ganhei prémios na escola, onde ninguém foi.

Não conheci os meus avós.
Talvez o avô Petronilho fosse diferente, a julgar pelos livros que deixou.
As minhas avós... nunca me conheceram, nem se importaram em deixar-me ao deus-dará.
Não me escondo, nem tenho de que me envergonhar.
Se pudesse arrancava estes genes das veias!

Não conto os anos nem os sinto cá dentro; serei talvez menina eterna, que se ilude e sonha... a quem um grão desequilibra a consciência.

Deixem-me ser criança, que ainda é tempo! Em breve farei 5 anos, pois nasci de novo...

Tenho a eternidade inteirinha para envelhecer... se possível for!




Maria Petronilho

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