segunda-feira, janeiro 23, 2006


A Menina do dragãozinho que fazia magia


Em meio ao silêncio, soaram uma leves pancadinhas na porta... Tão suaves eram, que pensei serem engano dos meus ouvidos. Levantei a cabeça do caderno em que escrevia, e: “Toc-toc-toc” – de novo! Levantei-me e fui ver, espreitando pelo olho de vidro da porta: Nada! “Toc-toc-toc” – As pancadinhas soavam baixinho, mesmo do outro lado da madeira, que coisa! Abri a porta, curiosa. Vi uma menina, de vestidinho cor-de-rosa, fora de moda, como os da minha infância: Franzido na cintura, manguinhas curtas de balão, um grande laço atrás. Cabelo cortado a direito, olhinhos castanhos enormes, líquidos de inteligência e vivacidade. Sorri. Ela sorriu também e foi como se se tivesse derramado entre nós um perfume de alfazema! Sem ter de lhe perguntar, já ela ia respondendo num gesto: estendeu os braços, segurando nas mãos ambas um cesto de vime redondo, com tampa. - Dás-me um Euro se te mostrar o que tem dentro? - Murmurou. - Claro que dou, disse eu! E uma fatia de bolo! - E uma laranja fresquinha, tens? - Tenho sim! Posso arranjar um lanchezinho e arrumá-lo no teu cesto. - Não! Não podes! - Porque não posso? - O cesto está ocupado, não te disse antes? Só o abro se me deres um Euro! - Pronto, pronto! – Disse eu. E ia voltando costas, a caminho da cozinha... - Ei! – Disse a menina, antes que eu sumisse – E o Euro? - Já te dou; vou à cozinha. Entra, se quiseres! - Não quero. Quero um Euro e uma laranja fresquinha.Depois, muito baixinho: - E a fatia de bolo. Cheira tão bem! Fizeste-o agora mesmo, não foi? - Foi! Tirei-o agora mesmo do forno. - Então dás-me duas fatias? - Tens muita fome? Queres um copo de leite? - Não! Leite com laranja azeda, não sabes? Só quero o que combinámos. - Ai, ai, que teimosa me saíste! Vou procurar a moeda. Primeiro a moeda ou o lanche? - Primeiro a moeda! – Afirmou, quase arrogante. - Porquê primeiro a moeda? - Porque estraga mais depressa. - Estraga-se mais depressa do que a laranja e o bolo? – Estranhei. Como me explicas tu isso? - Ah, eu explico: É que daqui a pouco já quase nada se compra com um Euro! - E que vais tu comprar com o Euro? - Não sei. Vou dá-lo à minha mãe, que está sempre a dizer isto ao meu pai. E o meu pai discute com a minha mãe. Por isso tenho pressa. Preciso muito do Euro! Dei-lhe a moeda. Abriu o cestinho. Dentro, um dragãozinho de plástico verde e amarelo. Arregalei os olhos pasmados. Ela levantou o brinquedo e juntou a nova moeda a outras que estavam no fundo. Fechou cuidadosamente o cesto e disse séria: - Sabes? Assim o meu dragãozinho faz magia. - Pois faz! – concordei. Se pedires um Euro a cada pessoa... - Vês, como percebes? Já não era sem tempo... ufa! - E porquê a laranjinha fresca? - Para a minha mãe, que espera um bebé e precisa de vitamina. ... Fui para a cozinha, estendi um pano na bancada, assentei um prato no meio e arrumei nele bolo, fruta, pacotinhos de sumo. Atei as pontas em cruz, como vira tantas vezes a minha mãe fazer, que nunca deixava um pobre sem um prato de comida. Tinha-me esquecido da força da solidariedade silenciosa, no deserto de cimento onde berram de todos os lados: Compre! Compre! Compre! E nos agridem a cada instante com preços, com cotações, promoções, anúncios de bens supérfluos. Nos assustam e envenenam com apelos ao consumo desenfreado. No oposto, a suavidade de um “toc-toc-toc” na porta. Uma menina com vestido cor-de-rosa e um dragãozinho de plástico que faz magia pelo modesto preço de um Euro. A inteligência ensinando a todos o modo sublime de contribuir para a paz.

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