tag:blogger.com,1999:blog-63974962024-03-13T03:02:23.815+00:00VOU-TE CONTARHISTÓRIAS, CONTOS E CRÓNICAS.
ACONTECIDAS OU INVENTADAS.
VEM COMIGO, DAR ASAS À IMAGINAÇÃO....Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.comBlogger131125tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-21439760697197988062010-01-06T22:41:00.004+00:002010-01-06T23:00:35.037+00:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy4ALGwc3gVeWQwpwj57vVxuii4UyECF8LUWOSBZtU2lB37OXXO9uf3llXEM7HJJ8C8n23QMDB7Q_AIUtXYOiE97TY2i_fZ9M0fk9N7ios94uuohr2ZppeDWtCbxFRGsgRL_I47w/s1600-h/292-330-thickbox.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5423761613813257442" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy4ALGwc3gVeWQwpwj57vVxuii4UyECF8LUWOSBZtU2lB37OXXO9uf3llXEM7HJJ8C8n23QMDB7Q_AIUtXYOiE97TY2i_fZ9M0fk9N7ios94uuohr2ZppeDWtCbxFRGsgRL_I47w/s400/292-330-thickbox.jpg" /></a><br />O meu último livro de Poesia<br /><br /><br /><span style="font-size:85%;">Capa e ilustrações de H Mourato, prefácio de Joaquim Evónio</span><br /><span style="font-size:85%;"></span><br /><span style="font-size:85%;">CorposEditora, 2009</span><br /><br /><br /><br /><ul>Podes encontrá-lo nas livrarias e no site: <a href="http://www.worldartfriends.com/">http://www.worldartfriends.com/</a><br /><br /><li><a href="http://editme!/">Edit-Me</a></li><br /></ul>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-14354904892028427032009-10-26T00:27:00.003+00:002009-10-26T00:38:00.471+00:00Passarito em Campo de Girassóis<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4TnyXWt3LRKRla8ocaUXhxXMPaFmsvBDir5mbhUvsV8lrEG8uN0lZdUtBDtdDqp-5wjnxINDjEa_AHupZZs6tbCIEqJvZLZBHBHV9LnZ7xRovZ_pip_15SERIca0Cwx4MMbUeAQ/s1600-h/passarinho.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 200px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5396701267760336530" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4TnyXWt3LRKRla8ocaUXhxXMPaFmsvBDir5mbhUvsV8lrEG8uN0lZdUtBDtdDqp-5wjnxINDjEa_AHupZZs6tbCIEqJvZLZBHBHV9LnZ7xRovZ_pip_15SERIca0Cwx4MMbUeAQ/s400/passarinho.jpg" /></a><br /><h6></h6><br /><p>Sentado num ramo, o passarito via o sol subir no céu.Ensaiara o canto da manhã, comera uns tricos-tricos e meditava feliz.<br /><br />Pilm!</p><br /><p>Arrepiou-se todo o passarito novito, que já se esquecera da chuva de primavera, quando nascera.</p><br /><p>- Que será isto?!Encolheu-se, estremeceu e abanou-se todo, aliviando a tensão.</p><br /><p>Olhou para o céu, mas nada viu!<br /><br />Plim! Plim!</p><br /><p>- Ai que morro afogado!Gritou do cimo do ramo enxuto, céu azul, sol subindo… Espanejou-se todo, incomodado e aflito.<br /><br />- Passarada doida! Bêbados de néctar até esta hora!</p><br /><p>Refilou, apesar do silêncio:</p><br /><p>- Seus morcegos vadios!<br /><br />Plim! Plim! Hihihihi!<br /><br />Ai, era demais… Agitou as asas e levantou voo… Num ápice estava longe, sentadinho e quieto. Agora, com a calma, vinha-lhe o sono.Fechou os olhitos e assim esteve até que, de novo, sentiu </p><br /><p>Plim!<br /><br />De onde estava agora, alargava-se o horizonte.</p><br /><p>Semi-serrou os olhos e virou a cabeça em todas as direcções.Um caule subia a pique, e lá de cima, sentiu: </p><br /><p>Plim!<br /><br />Pôs a cabeça de lado, indeciso.</p><br /><p>- Céu azul, o sol subindo… que será isto?!<br /><br />Deslizou o olhar para cima, seduzido pelo mistério.</p><br /><p>No alto, uma melena amarela agitava-se contente e, de vez em quando, salpicos saltavam dela, que ria deliciada.<br /><br />- Ó tu lá de cima! Chamou, ansioso por conhecê-la e ensaiando uma cantoria ensurdecedora.</p><br /><p>A flor de melena amarela, mirou o pequenito, emproado que nem um peru do mato, e piscou-lhe o olho.</p><br /><p>- Falas comigo, passarito dorminhoco?</p><br /><p>- Dorminhoco, eu?!</p><br /><p>Ora esta! Já tomara banho, cantara e comera, estava a tentar meditar enquanto o sol subia no azul do céu… e aquela cara de lua chama-lhe dorminhoco, a ele, um passarinho diligente e cumpridor?!<br /><br />- Quem és tu, ó presunçosa?- Eu?! Sou o espelho do sol na terra, não vês?</p><br /><p>O passarito, de olhos em fenda, viu uma cara redonda com a barba mal feita e uma enorme cabeleira amarela que nem gema, recortada, abanando com toda a força.- Sou um girassol, seu tolo, onde andas que não me conheces? Toda a gente me adoraaaa… E aos meus irmãos também!</p><br /><p>Pequenino, pequenino, o passarito suspirou… Que grande injustiça me aconteceu!</p><br /><p>- Que resmungas aí em baixo, ó bico fino?</p><br /><p>- Estou farto de ser molhado, sua flor orelhuda! Não sabes tomar banho sem fazer bagunça?</p><br /><p>Hihihihi… escangalhou-se em riso a flor.</p><br /><p>- Pois não! O meu pé não sai daqui… é a noite quem me lava e é o sol quem me enxuga.</p><br /><p>- Sortuda!…Desavergonhada e vaidosa! Ia dizendo consigo o passarito.<br /><br />Farto de conversa, voou alto, muito alto, tanto quanto conseguiu.Ficou assombrado, planando por um momento:O que via eram milhares de melenas brilhantes, desafiando o sol e aspergindo gotas de água por todo o lado.Cansado, deixou-se levar pelo vento até uma árvore, num bosque bravio, onde se aninhou num ramo e, de novo, adormeceu.<br /><br /><br />Maria Petronilho<br /><br /><br /><br /></p><br /><ul><br /><br /><li><a href="http://editme!/">Edit-Me</a></li><br /></ul>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-92133509388587788792008-09-24T18:01:00.004+01:002008-09-24T18:09:31.343+01:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYnOp_WyZ7yzCfdoSEfcPREqRantHkXfjzkKOVIVzACF6g50iApVAFZ8a0UinZLEKE1HYzWv_by6J7Qk61sifkTHyp9Y_6TEXwIXo9KVWIxnxD35V1lZAIAcrrtp3bAnOV_uooFQ/s1600-h/frag_edu.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5249634909450907170" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYnOp_WyZ7yzCfdoSEfcPREqRantHkXfjzkKOVIVzACF6g50iApVAFZ8a0UinZLEKE1HYzWv_by6J7Qk61sifkTHyp9Y_6TEXwIXo9KVWIxnxD35V1lZAIAcrrtp3bAnOV_uooFQ/s400/frag_edu.jpg" border="0" /></a><br /><br /><p></p><br /><ul><br />Travessura<br />Era o tempo da Ditadura.<br />Havia dois agentes reconhecidos da PIDE (polícia internacional para defesa do estado, treinada por agentes da Gestapo)... Um era o Bolas, outro o Cabide.<br />O primeiro era professor de francês, enorme, passava os intervalos a devorar bolas de Berlim (bolos fritos)<br />Um dia entrou numa aula do 4º ano, meninos que tinham soletrado o francês três anos a fio, e perguntou:<br />- "Comment fait le burr?"... Queria informações acerca da voz do burro (âne)... toda a sala estremeceu de gargalhadas!<br />O Cabide era contínuo.<br />Um perseguidor implacável e mesquinho, esqueleto vivo donde pendiam as ombreiras do casaco assertoado.<br />Um dia, em plena aula, em que se desfazia em mesuras diante da S'tora (era como tratávamos a professora, abreviando Senhora Doutora)... eu, nas carteiras da frente, enjoada com tais maneirismos, deitei-lhe a língua de fora.<br />A S'tora viu!<br />- Maria: Rua!<br />Ai que baque no peito!<br />Enfiei-me na casa de banho, ajoelhei-me a rezar até tocar a sirene, apavorada: Se tiver falta por mau comportamento o meu pai mata-me!<br />Não tive falta.<br />Já constava que eu tinha problemas em casa e, afinal, ninguém gostava do Cabide nem um bocadinho!<br />Se calhar a S'tora também tinha vontade de lhe deitar a língua de fora!<br /></ul>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-52463375286328048402008-01-23T19:37:00.000+00:002008-12-12T06:15:39.951+00:00Comedores de Flores<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0P4sO3LcAa_8bdm2NSNICqDC2We-TMAK6hAhdXiC65N4gz3Skr1kVerzV4fhcmGz753ft17dZjoY5nnFEQzfKn3HEo25UZAopaQ47Usr34mNeSUgNLPG9kT-C3UNf4ldFbI2sVA/s1600-h/The-Son-of-Man-1964-+ren%C3%A9+magritte.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0P4sO3LcAa_8bdm2NSNICqDC2We-TMAK6hAhdXiC65N4gz3Skr1kVerzV4fhcmGz753ft17dZjoY5nnFEQzfKn3HEo25UZAopaQ47Usr34mNeSUgNLPG9kT-C3UNf4ldFbI2sVA/s400/The-Son-of-Man-1964-+ren%C3%A9+magritte.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5158767908876540194" /></a><br /> <br /> <br /> <br /><br /><br /> <br /> Comedores de Flores <br /><br /><br />Como em muito outros jardins, havia neste um jardineiro que era visceralmente inimigo de flores! <br /><br />Pisava-as sem dó nem piedade, favorecendo antes as ervas daninhas, que prosperavam e medravam felizes, oprimindo e empurrando as flores que, por dever, deveria cultivar. <br /><br />Tinha este jardineiro uma espécie de devoção a seu amo, um louco apreciador de coutadas onde pudesse caçar seres inocentes, que tratavam das suas vidinhas, dos seus territórios, da sua procriação e alimento. <br /><br />O jardineiro vacilava entre o ciúme e a ambição! <br /><br />Cortava as flores das principais hastes, impedindo que crescessem; não as regava; jamais adubava o solo, antes fazia queimadas a torto e a direito, destruindo as mais rasteiras, as sem espinhos, os amores-perfeitos, dálias, jasmins olorosos cujo perfume o enfastiava. <br /><br />Odiava sobretudo os cravos e, dentre estes, destruía ferozmente os de cor vermelha, pois lhe lembravam não sei que tristes tempos da sua infância perdida. <br /><br />Em vão choravam as margaridas e oravam as açucenas! <br /><br />Colhendo-as sem cuidado, apresentava-as em vistosas coroas a seu amo louco, que nem tão pouco cuidava de as colocar numa jarra, deixando-as murchar no auge da sua beleza. <br /><br />Claro que sem flores não há frutos e sem frutos não há sementes! <br /><br />Bem se ralava o jardineiro! <br /><br />Tivesse boas fardas para seu uso, tivesse bons ginetes para os seus passeios... afinal o emprego parecia ser efémero, o que viesse a seguir que replantasse, que se desenvencilhasse, que fizesse o que lhe aprouvesse... por essa altura já ele estaria fora; teria dado o pulo para um jardim mesmo seu, que comprara num paraíso distante!Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-58798260312922788852008-01-11T00:09:00.000+00:002008-12-12T06:15:40.177+00:00O MENINO DE SUA MÃE<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlLrTNe6mcT03k5JazvvM2Iq6_ZG2m1oj-y8bBPN62y2rd3l2XNRxVTMyYXh3og8kfiW_ZmfHJhhZBV-lBJcXR-KpxnqMLhEU0yU0amSaGzfMdq1jdvWC0m3wSVEcBu_VDjaTuqQ/s1600-h/nocturno.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlLrTNe6mcT03k5JazvvM2Iq6_ZG2m1oj-y8bBPN62y2rd3l2XNRxVTMyYXh3og8kfiW_ZmfHJhhZBV-lBJcXR-KpxnqMLhEU0yU0amSaGzfMdq1jdvWC0m3wSVEcBu_VDjaTuqQ/s400/nocturno.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5154005694061877762" /></a><br /><br /> <br /><br />Chegou a casa com maus modos, para jantar. <br />Tirou do bolso um papel branco e atirou-o para a prateleira da estante. <br />Olhei-o interrogativamente. Desviou os olhos de mim e, saindo da sala, disse: <br />- Estás grávida, estás! <br />O meu coração disparou, batendo muito depressa. <br />Angústia. Medo. Perante a ameaça e a raiva daquela frase dita entre dentes. <br />Ele saíra da sala sem mais uma palavra. <br />Eu fiquei presa ao sofá, em frente do aparelho oco da TV. <br />Os maus modos dele diziam: <br />- Só faltava estares grávida! <br />Como se fora algo que eu fizera sozinha! <br />Comeu e saiu. <br />- Vou trabalhar! – Era por essa altura a frase com que se despedia quando ia ter com a tal “menina”... <br />Tratei da minha filha, com três anos e meio, deitei-a na sua caminha branca de grades. <br />Fiquei muito tempo junto dela, até que adormecesse, pois saíra do nosso quarto havia pouco tempo, onde, descida a grade, sempre dormira com a sua caminha encostada a mim, atenta, afagando-a se se agitava, tapando-a se se descobria. <br />O pai habituara-a a dormir de luz acesa. <br />Conversei muito com ela, contei-lhe uma história, afagando suavemente os seus caracóis loiros de bebé. <br />Quando os olhinhos se lhe fecharam, a mão agarrando a minha, fiquei ali ainda, pensando junto dela na sobressaltada alegria que sentira ao ler no papel vindo da farmácia aonde levara uma amostra de urina: <br />- Positivo! <br />Exactamente a mesma palavra, num papel semelhante, estava escrita naquele outro, que o pai atirara sobre o móvel da sala, irritado, impaciente, indiferente ao filho que semeara e crescia no meu ventre. <br />Pus-me a olhá-la bem, à minha menina: recordei todos os seus momentos: o seu primeiro olhar, o seu primeiro sorriso, os seus primeiros passinhos... lágrimas de alegria desciam-me pelo rosto: em breve repetir-se-ia o milagre da vida que despertara e vivia, ainda silenciosamente, no aconchego de mim, se alimentava do meu sangue; era uno e indiviso comigo... Devagarinho, o amor por esse filho descoberto tomou conta do meu coração! <br />Deitei-me. Não sei quando o meu marido voltou: havia tanto tempo que só chegava de madrugada, cansara-me de o esperar, sequer de me afligir. <br />Ao outro dia, cumprida a rotina matinal das mães que têm muitas missões a cumprir antes de iniciarem as suas oito horas de trabalho numa cidade e deixarem os seus filhos entregues aos cuidados de uma pessoa longe, entrei no autocarro apinhado, corri para a fila do barco, segui no aperto de milhares de outros que vão de manhã para o trabalho de olhos mortiços, cumprido o destino de animais que vão para o matadouro e regressam à noite, exaustos e partidos, afim de recomeçarem as tarefas adiadas. <br />Da outra vez tinha dito às minhas colegas que estava grávida, tínhamo-nos congratulado juntas... desta, algo me fez calar o despontar da alegria, uma incerteza indefinida, algo aparentemente inexplicável: a ameaça pairava como um cutelo afiado no brilho frio dos olhos do pai dos meus filhos. <br />Quando chegou para jantar, resmungou: <br />- Agora tens de te livrar disso, já sabes! <br />O meu coração apertou-se. Senti-me reduzida a nada, tremendo. A minha boca não se abriu, toda eu me concentrava no que acontecia dentro da minha barriga. <br />Ele foi “trabalhar”, como de costume. <br />Cumprida a lida da casa, deitada a filha no berço, encolhi-me na beirinha do colchão, sem me mexer, as lágrimas enfim soltas. <br />Ah a dor indizível da impotência que nos consome, sem remissão, sem nada nem ninguém que nos escute! <br />Na noite seguinte, trouxe uma caixa pequena, redonda, anónima e branca. <br />- Isto vai resolver tudo. Toma! <br />Trouxe um copo de água e ficou ali, de pé, verificando se eu engolia os comprimidos todos. <br />Poderia ser qualquer veneno. Obedeci sem proferir palavra. <br />Na minha roupa, nem uma mancha vermelha. <br />Portanto, repetiu-se a cena, a dose, fornecida por um farmacêutico cúmplice dele, amigo de farra, confidente e conivente. Todos os dias, nova caixinha branca redonda, de plástico, sem dizeres, fechada com fita gomada, cheia de veneno a tomar obrigatoriamente à sua vista. <br />-Toma isto. Amanhã vem-te o período de certeza! <br />Engolia as lágrimas, os protestos e as drogas. <br />O filho tinha o nome de “menstruação atrasada”. Entre as mulheres que conhecia e com quem trabalhava esse problema era falado com tal frequência que se banalizara. <br />Resolviam-se “os atrasos” tomando certos remédios, secretos, miraculosos. <br />Não lhes chamavam abortos, mas provocar o aparecimento da menstruação que se atrasara... <br />Na minha estúpida inocência, numa sociedade hipócrita onde não se mencionavam assuntos tabu, nem a palavra aborto, nem a sexualidade era considerada... como se os filhos aparecessem do nada, trazidos no bico da cegonha, nada se discutia, não havia a quem colocar dúvidas, as questões permaneciam camufladas atrás da máscara opaca das “famílias respeitáveis”, aonde não aconteciam “certas coisas” <br />As senhoras respeitáveis, entre as quais trabalhava e me movia, que me falavam muito bem, me metiam no coração, me demonstravam estima e respeito... sabiam porém muito mais que eu: sabiam da vida dupla de meu marido mas... cala-te boca! <br />Eu tinha medo. Não tinha ninguém. Tudo se passava na solidão das quatro paredes. <br />Estava tão fragilizada, vulnerável, insegura! <br />Acreditava ainda que o homem que amava, porque ainda o amava, deveria ser o meu único confidente, confiava nele, muito embora a sua frieza me assustasse. <br />Me repugnasse a sua ambição sem escrúpulos; o calculismo com que ia ganhando terreno nos negócios... enquanto eu sustentava a casa, porque seria normal, uma vez que fazia as compras, pagá-las com o dinheiro do meu salário. <br />Tudo fazia para não o contrariar. Obedecia-lhe como uma cega, tentava não o desagradar nem nos pormenores. Colocava-me a mim mesma em último plano. Anulava-me pelo bem-estar das duas únicas pessoas que tinha por minhas, às quais dedicava a vida: meu marido e minha filha, o conforto da casa, o desempenho profissional, as coisas prontas a horas certas, tudo deslizando como se rodinhas bem oleadas e invisíveis tudo arranjassem: a máquina invisível era eu, o óleo mágico que tudo fazia deslizar sem se perceber era o meu empenho e esforço. <br />Aos domingos, costumávamos visitar o meu padrinho de casamento, fino e sabido, que enfim decidira assentar junto de uma mulher ainda mais fina e sabida que ele: <br />Minavam aos poucos os restos do resto da minha família, insidiosamente. <br />O meu marido contou-lhes ao serão, com a maior naturalidade o “meu caso”... Eles foram unânimes e enfáticos em dizer que tinha de resolver “isso” depressa, pois ele agora não queria problemas... e que isso era fácil, banal, toda a gente o fazia... <br />Voltei mais animada. <br />Vínhamos sempre muito tarde e a minha filha deitava-se no banco traseiro do carro e adormecia. <br />Eu tirava-a com cuidado, embora já fosse muito pesada. Trazia-a aconchegada contra o peito, despia-lhe a roupinha e vestia-lhe o pijama sem que ela despertasse. Deitava-a e dava-lhe um biberão de papa-láctea, que ela engolia, tranquilamente, dormindo. <br />Tinha “muita prática e jeito”, dizia o pai dela. <br />Mas naquela noite despertou e viemos palrando até chegarmos à porta. Sentia-me aliviada e tão feliz! <br />Feliz porque a minha filhinha não seria, como eu, uma triste filha única, sem ninguém no mundo que a amparasse. <br />Sempre desejara ter dois filhos e tinha-os! Um ao colo, outro crescendo suavemente, aconchegadinho dentro de mim. <br />Enquanto o pai procurava as chaves, eu e a menina brincámos: num impulso, rodopiámos juntas, eu com ela nos meus braços, rindo em coro! <br />Toldou-se-me a vista e caímos no chão de mármore da entrada. Não nos magoámos, apenas me assustei por ela e pelo bebé pequenino. Consolei-a, subimos, tratei dela e deitei-a. <br />Nada se sangue na minha roupa... suspirei de alívio! <br />Quando ficara grávida da menina tivera sintomas de aborto durante muito tempo, fora uma gravidez sobressaltada, sempre no risco de perdê-la. Tinha muito medo que tal se repetisse. <br />Os medicamentos vinham todas as noites, obrigatoriamente. <br />Até que foi como se despertasse de um sonho estúpido. <br />Pensei: meu Deus! Quando estamos grávidas todos os medicamentos são perigosos; nem aspirina tomava receando prejudicar o bebé que trazia no ventre... e agora, que venenos estaria este pequenino recebendo através do meu sangue? <br />E se o meu filho nascesse deficiente? <br />Oh angústia suprema! <br />Oh dor cega! Oh tormento da culpa pela minha cegueira! <br />Como chegara a tal ponto, eu?! <br />Como deixara que me toldassem o espírito?! <br />O meu marido tinha preparado a marinada e ia cozer-me nela: atingira o seu fim. <br />Vendo-me chorar, porque sempre a morte estivera à minha cabeceira e eu crescera ao abandono, não tendo a quem entregar os meus filhos se algo me acontecesse... que seria do meu filho se caso ficasse só no mundo, não pudesse valer-se?! <br />Era a oportunidade que ele esperava: insidioso como uma serpente, achando preparado o terreno, disse na sua voz melosa e falsa: <br />- Agora já nada há a fazer. Tens de ir a uma parteira. Levo-te lá amanhã. <br />Com a morte na alma, sozinha, pensava... e quanto mais pensava mais negro via: o bebé estaria deformado? O bebé sofreria? Até que ponto o seu sistema nervoso estaria já formado? <br />Como sentiria a morte, o meu filho? <br />Teria oito ou nove semanas... idade crucial. Que seria de nós? <br />Oh meu Deus, vão tirar-me o meu filho! <br />No dia seguinte, de manhã, fomos a uma vivenda com dois pisos, algures, nos arredores da cidade. <br />Veio uma mulher receber-nos. Olhou-me com olhinhos de víbora: muito nova, assim como o meu companheiro: íamos desmanchar algum arranjinho, pensou a sanguessuga. <br />Entrei sozinha, ele foi para o carro ouvir música. <br />Era uma sala fria, com um sofá à esquerda e cadeiras de espaldar direito a toda a volta. <br />No meio da sala, uma mesa de vido, nua. <br />Sentadas nas cadeiras, três mulheres, que não levantaram os olhos do chão. <br />- Senta-te aqui um bocadinho. Não demora muito. <br />Atrevi-me a olhar de relance as outras e elas a mim, mas desviámos rapidamente os olhos. <br />Ninguém disse palavra. Rostos tristes, desanimados, mais frios que o frio que fazia. Ali permanecia um frio de arrepiar. <br />Sentia-se no ar a culpa. O peso da dor. O medo: o cheiro do éter. <br />Uma casa de morte; uma casa destinada a matar inocentes na impunidade escondida. <br /><br />Só quem nunca lá esteve fala à boca rota... quem lá esteve cala-se e tenta esquecer o horror. <br />As mulheres foram entrando, uma a uma. Passada cerca de meia hora, voltava uma e entrava a que se lhe seguia. Realmente, tudo se passava num instante. <br />A minha vez chegou. O meu coração encolhia-se, como o de um passarinho apanhado. <br />Tinha medo. Uma incomensurável pena. Sentia um fardo pesadíssimo: ou nasce deficiente ou morre, pensava. Se nascer defeituoso seremos infelizes para sempre. <br />Subi para a marquesa suja. Pelo chão imundo, aparelhos cirúrgicos esquisitos. Havia, atirado para um canto, um molho de tubos, que lembravam um aparelho de ordenha, mais pequeno que aqueles com se tira o leite. <br />No quarto pequeno, duas damas autoritárias e secas. Estava tudo muito sujo e cheirava a éter, a sangue, a suor requentado. <br />Iam usar o método de aspiração, que estava na moda. <br />Perguntaram-me que tipo de anestesia queria: geral ou parcial. Disse-lhes do meu problema de coração. <br />- Nesse caso não te damos nenhuma, não vamos arriscar-nos a que nos morras aqui na marquesa! <br />- Afasta os joelhos, dobra-os, abra as pernas e descontrai-te. <br />- Respira fundo. <br />Uma dor lancinante rasgava-me o ventre. Tinha tanto frio! <br />Iam-me perguntando se era a primeira vez. Ficaram muito espantadas quando lhes disse que tinha uma filha de três anos e meio, que era casada e que o meu marido me esperava no carro. <br />Tremia de dor e de frio. <br />Num rasgo de benevolência, deitaram-me o meu casaco sobre a parte superior do corpo. <br />Não havia lençol, nem pudor, muito menos um cobertorzito. <br />As dores eram terríveis. Não pude impedir-me de gemer alto. <br />Ao fim de algum tempo senti um líquido morno molhar-me as pernas; senti o aspirador dentro de mim. <br />- Este estava bem agarrado! Riu-se a parteira. <br />Meu querido filho, que assim se ia! <br />Limparam-me com uma toalha turca e ajudaram-me a descer da marquesa. <br />Toda eu era dor, sentia o ventre em chaga viva. <br />Deram-me um calmante e deixaram que me deitasse um pouco, no tal sofá da sala de entrada, com o meu casaco por cima. <br />Já havia outras mulheres tristes na sala, mas mal as vi. <br />Só queria encolher-me em posição fetal e que me esquecesse ali! <br />Caí numa sonolência atordoada. Pedi que me mostrassem o que tinham sugado de mim. <br />Trouxeram um frasco dos de Tofina, cheio de água com uns fiapos de sangue a flutuar lá dentro. <br />Estendi a mão: estava frio, não era o meu. <br />- Acha que ele sentiu alguma coisa? Perguntei numa voz entaramelada. <br />- Se soubesse que estavas de tão pouco tempo, não to fazia! <br />- Se fosse de mais tempo, não fazia, não! Garanto-lhe que não! Só espero que não tenha sofrido muito! <br />Olhou-me como se eu estivesse doida: <br />- Um desmancho é um trabalho e um feto é uma colher de sangue coagulado! <br />Passados uns minutos, obrigaram-me a levantar do sofá e arrastaram-me até à porta da rua. <br />Lá fora estava o meu marido. Falavam em dinheiro. Eu estava com muitas dores e muito confusa, mal me aguentava de pé. <br />- Então, não tens aí cinco contos para pagar isto? – Perguntou o meu esposo, assassino. <br />De repente, fiquei lúcida, chocada, ofendida. Tinha feito aquela pergunta num tom desprendido, indiferente, como se eu fosse uma prostituta a quem ele dera boleia. <br />Respondi que nem carteira trazia. <br />Ele pagou e amparou-me de má vontade até ao carro. Fui entrando devagarinho, gemendo. Sentei-me no banco, encostei-me, respirei fundo. <br />A maldição dele tinha-se consumado! Já nada havia a fazer. <br />O meu filho estava morto. O meu filho estava morto. O meu filho estava morto....Com esta frase a latejar-me na cabeça, nem dei pelo caminho. <br />Chegada a casa, deitei-me no sofá da sala para recuperar um pouco. <br />Ele saiu, foi para o trabalho. <br />Eu perdera um filho, sofria, perdia sangue, chorava. <br />Ele vencera: custara-lhe cinco contos e perdera, do seu tempo, uma manhã. <br />Aos poucos, agarrada às paredes, lá me arrastei para a cama. <br />Estive toda a tarde sonolenta, as lágrimas corriam-me pela cara abaixo. <br />O penso estava encharcado de sangue e eu sem forças para ir buscar outro. <br />Muito quieta, as pernas muito unidas, dobrada como um feto, sofria e chorava alto: Mataram o meu filho! Mataram o meu filho e eu, estúpida, deixei! <br />... Mas se nascesse deficiente, que seria dele, quando crescesse e eu lhe faltasse? <br />Oh, porque mataram o meu bebé?! <br />À tardinha, não havia jantar... ralhos e ameaças. Desta vez foi ele que cuidou da menina e a deitou. <br />Saiu de novo. <br />No meu emprego, dei parte de doente. <br />Ao segundo dia, arrastei-me até à sala, deitei-me no sofá. <br />A minha filha passava os dias na ama, não sei se esta sabia se não. <br />Não contei a ninguém. <br />Chorei dias e dias seguidos. Sentia-me molhada e vazia. Sentia-me de luto. <br />Sentia muitas dores, mas sobretudo sentia a perda do meu filho. <br />Tive febre. Fui à minha ginecologista, minha amiga, que viu e nada comentou. <br />Tratou-me da infecção e fingiu aceitar uma desculpa esfarrapada, até que eu estivesse preparada para desabafar com ela. <br />O meu ventre curou-se pouco a pouco, a minha alma há-de doer sempre! <br />Carreguei esta minha dor sozinha, por quinze anos, a chorar todas as noites. <br />Por fim coloquei este defunto bem à minha frente, despedi-me dele e coloquei-o com carinho ao lado dos outros, que guardo num lugar da alma, pois não consigo enterrá-los.<br /><br /> <br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-22070319891818503982007-02-25T00:44:00.000+00:002008-12-12T06:15:40.284+00:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAvKuFEQa71a6D505l2NPesxhXBF83pcy8vKnpXGy-Ry7vCJNXAH9l-F6hT3tgvRV22z7OM2FDhtWz6zufe3mWg_SRTCinGaV3A1YyBk_R-D68mIn8IkVI0iGv-p80grZYd5zqtg/s1600-h/img.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5035268986168709474" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAvKuFEQa71a6D505l2NPesxhXBF83pcy8vKnpXGy-Ry7vCJNXAH9l-F6hT3tgvRV22z7OM2FDhtWz6zufe3mWg_SRTCinGaV3A1YyBk_R-D68mIn8IkVI0iGv-p80grZYd5zqtg/s400/img.jpg" border="0" /></a><br /><h6></h6><strong>Por um Triz<br /></strong><p><br />Ela sabia-o em perigo.Urgia avisá-lo. Tímida, hesitava, a agenda tremendo nas mãos.Com os olhos cheios de lágrimas e o coração saltando do peito, tomou coragem e ligou o número do telefone móvel.Passara a ser acessório: Mesmo nas conferências e espectáculos, de quando em vez um som fulgia e logo se apagava num sussurro.Ouviu o som de chamada longa, longamente …. Depois um dedo enfadado calara o inoportuno. </p><p>Sinal monótono:- Fim!</p><br /><p></p><br /><p>23/11/2006<br />Maria Petronilho<br /></p><br /><ul><br /></ul><p></p><ul><br /></ul>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1141040327812707712006-02-27T11:19:00.000+00:002006-02-27T11:39:28.390+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/M.FOTOS%20DIGITAIS%20003.gif"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/M.FOTOS%20DIGITAIS%20003.jpg" border="0" /></a><br /><h6></h6><p>Tempo de Escuridão</p><ul><br /></ul><br />Na escola primária, onde perdi 4 anos de vida (eu sabia ler e escrever, sequer andava em classe certa: sentava-me onde calhava).<br />Aí, onde os meninos iam descalços e quase nus sobre a neve, as professoras ficavam furiosas de ser colocadas... e descarregavam toda a raiva sobre nós, pobres crianças: réguada que se escutava à distância ao estalar sobre as mãos enregeladas... que, saindo da escola, ainda tinham de ir trabalhar.<br />O alimento: pão com azeitonas.<br />Na casa das minhas avós tudo se fazia: eram economias medievais de auto-subsistência, portanto comida nunca faltava.<br />Mas faltava amor e cuidado.<br />Era como se eu não existisse: se aparecia, comia; se não aparecia não comia.<br />Quem se importava se eu dormia ou me levantava, se estava doente ou triste?!<br />Nunca na vida alguém foi à minha escola (falo de 11 anos em que andei na escola, até concluir o liceu)<br />Cheguei no primeiro dia, sentei-me na carteira da frente com um sorriso de orelha a orelha, escrevi os meus cinco nomes na capa do caderno, e fiz pose (como via nas figuras) declarando:<br />- É assim que se está na escola!<br />... Ora eu nunca tinha convivido com outras crianças, nem sabia brincar como elas.<br />Recortava bonecos de papel e fazia teatrinhos, onde contava a mim mesma muitas histórias.<br />Como andava de casa em casa, nunca tendo poiso certo, ora na cidade ora no campo, captava coisas daqui e dali... inventava cantigas e brincadeiras.<br />As outras meninas (meninos do outro lado de um muro alto) tinham pais, muitos irmãos, brincavam de imitá-los...<br />Eu, a quem chamavam "a orfã", era diferente... apanhava pancada de todos: das colegas, em casa, da professora...<br />Nem falo, depois, do meu pai psicótico e da minha madrasta!<br />Perdi muitas coisas, mas salvei algumas: escrevia poemas "para guardar" em cadernos que forrava de plástico; escrevi "a minha história" sei lá quantas vees... mas perdi os cadernos do liceu, onde tinha lindas redacções, que passavam em todas as turmas - tenho pena.<br />Por exemplo: "A Sinfonia da Vida" é uma redacção antiga.<br />Também tenho pena dos livros escolares... se faltava espaço, as minhas coisas eram deitadas no lixo.<br />Naquele tempo ninguém se importava com os sentimentos das crianças... era um tempo muito cruel, para todos: tempo de fome, de prisão e tortura, se vires filmes de como vivíamos julgarás que estás a ver a reconstuição de um tempo centenas de anos antes do século vinte.Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1138036123392275892006-01-23T17:05:00.000+00:002006-02-27T11:50:38.106+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/Knight_Daniel_Ridgway_Daydreaming.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/Knight_Daniel_Ridgway_Daydreaming.jpg" border="0" /></a><br />Saudades da Horta das Carriças<br /><br /><br /><br />Nota: a Carriça é uma ave que, quando se ara a terra, saltita de rego em rego atrás do lavrador para comer os vermes que a charrua pôs à superfície.<br /><br />Não era lavrada a Horta, mas cavada à enxada, não se sabe portanto de onde lhe virá o nome.<br /><br />Na Horta das Carriças havia um poço com nascente a uns três metros de fundo, de onde a água se tirava aos baldes, com uma grande cegonha *.<br /><br />A cercá-la, uma parede de pedra solta, ao correr de toda ela. Nasciam espontaneamente bastas e pequenas violetas brancas. O cavador não lhes tocava com a sua enxada, talvez porque o comovesse tal gesto da Natureza.<br /><br />No velho aterro, sobras da terra onde o poço fora escavado, ainda em montão e amparadas por pedregulhos ali deixados ao acaso, alguém espetara estacas de lilases brancos e azuis, que cresceram desvairadamente e floriam em tal abundância que o ar da primavera vivia ali, embalsamado em odores e cores.<br /><br />A água seguia por um tosco rego escavado no chão rico, há muito tempo. A salsa não secava nunca e existia sem ter sido semeada por ninguém.<br /><br />A erva cobria tudo e, das fendas na parede, rebentavam videiras bravas, que se aproveitavam às vezes para fazer enxertos na vinha.<br /><br />Num canto sombrio, numa espécie de caverna de verdor, cresciam violetas dobradas, azuis, enormes como nunca vi, ia jurar que foi Deus que as inventou ali mesmo e só ali existiam.<br /><br />Rompera o muro, com as suas fortes raízes, entre aquela horta e a do vizinho, uma árvore altíssima. Esta, em vez de provocar discórdia, provocava harmonia: Aproveitávamos todos as suas pequeninas bagas, aromáticas e roxas, que caíam lá do alto do Lamegueiro, em profusão, sobre as duas propriedades.<br /><br />Os frutos da terra a todos os homens pertencem: eram deliciosas, embora se lhes aproveitasse só um niquinho de polpa e de sumo... o resto era um caroço redondo e negro, que cuspíamos mas nunca germinou.<br /><br />O rego de verdura desembocava num tanque de pedra granítica, quadrado, pejado de limos, de onde saía a água para a rega, por um buraco feito no fundo que se atafulhava ou desatafulhava com um trapo, conforme as necessidades das plantas: Ervilhas, favas, feijão, couve, árvores generosas de pêssegos, pêras e maçãs.<br /><br />Mesmo ao lado, inusitada, uma roseira-chá enorme, frondosa, onde me escondia a mascar laranjas e limas-doces e que tinha sempre uma rosa, mesmo no tempo frio, para oferecer à sua pequena amiga.<br /><br />O outro lado do pomar era o reino das laranjeiras. Aí o doce aroma das florinhas brancas de seda, que juncavam o chão de alvura, envolvia-me.<br /><br />Ai andar ali descalça, sem medo dos lacraus, das centopeias, das aranhas!<br /><br />Rebolar naquele tapete tenro, encher o peito de ar perfumado e não pensar em mais nada! Deixar ali suspensos os meus sonhos e os meus poemas inventados e logo esquecidos!<br /><br />E recordar a minha mãe, há tanto tempo coroada de noiva com aquelas mesmas flores e depois levada no seu vestido branco para debaixo da terra com tantos lírios roxos, carapeteiros brancos, rosas e lágrimas.<br /><br />Ali lembrava eu, sozinha, a minha mãe breve, a mãe quase desconhecida. Ali chamava por ela, que mais ninguém lhe dizia o nome, que mais ninguém lhe via os retratos, que se fora como uma borboleta leve e me deixara.<br /><br />Ali eu invocava as recordações mais fundas do meu peito de criança ferida.<br /><br />Voltei às Carriças com a minha filha pela mão, em silêncio, e saí de lá a chorar:<br /><br />É um recanto na minha memória, já não existe. Não restou nada, senão a saudade .<br /><br />*cegonha - engenho para tirar a água a pouca profundidade, constituído por uma vara que tem um balde suspenso numa das extremidades e um peso na outra.<br /><br /><br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1138034235594760972006-01-23T13:41:00.000+00:002006-03-03T00:17:42.973+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/87226198qvkBKy_ph.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/87226198qvkBKy_ph.jpg" border="0" /></a><br />A Menina do dragãozinho que fazia magia<br /><br /><br />Em meio ao silêncio, soaram uma leves pancadinhas na porta... Tão suaves eram, que pensei serem engano dos meus ouvidos. Levantei a cabeça do caderno em que escrevia, e: “Toc-toc-toc” – de novo! Levantei-me e fui ver, espreitando pelo olho de vidro da porta: Nada! “Toc-toc-toc” – As pancadinhas soavam baixinho, mesmo do outro lado da madeira, que coisa! Abri a porta, curiosa. Vi uma menina, de vestidinho cor-de-rosa, fora de moda, como os da minha infância: Franzido na cintura, manguinhas curtas de balão, um grande laço atrás. Cabelo cortado a direito, olhinhos castanhos enormes, líquidos de inteligência e vivacidade. Sorri. Ela sorriu também e foi como se se tivesse derramado entre nós um perfume de alfazema! Sem ter de lhe perguntar, já ela ia respondendo num gesto: estendeu os braços, segurando nas mãos ambas um cesto de vime redondo, com tampa. - Dás-me um Euro se te mostrar o que tem dentro? - Murmurou. - Claro que dou, disse eu! E uma fatia de bolo! - E uma laranja fresquinha, tens? - Tenho sim! Posso arranjar um lanchezinho e arrumá-lo no teu cesto. - Não! Não podes! - Porque não posso? - O cesto está ocupado, não te disse antes? Só o abro se me deres um Euro! - Pronto, pronto! – Disse eu. E ia voltando costas, a caminho da cozinha... - Ei! – Disse a menina, antes que eu sumisse – E o Euro? - Já te dou; vou à cozinha. Entra, se quiseres! - Não quero. Quero um Euro e uma laranja fresquinha.Depois, muito baixinho: - E a fatia de bolo. Cheira tão bem! Fizeste-o agora mesmo, não foi? - Foi! Tirei-o agora mesmo do forno. - Então dás-me duas fatias? - Tens muita fome? Queres um copo de leite? - Não! Leite com laranja azeda, não sabes? Só quero o que combinámos. - Ai, ai, que teimosa me saíste! Vou procurar a moeda. Primeiro a moeda ou o lanche? - Primeiro a moeda! – Afirmou, quase arrogante. - Porquê primeiro a moeda? - Porque estraga mais depressa. - Estraga-se mais depressa do que a laranja e o bolo? – Estranhei. Como me explicas tu isso? - Ah, eu explico: É que daqui a pouco já quase nada se compra com um Euro! - E que vais tu comprar com o Euro? - Não sei. Vou dá-lo à minha mãe, que está sempre a dizer isto ao meu pai. E o meu pai discute com a minha mãe. Por isso tenho pressa. Preciso muito do Euro! Dei-lhe a moeda. Abriu o cestinho. Dentro, um dragãozinho de plástico verde e amarelo. Arregalei os olhos pasmados. Ela levantou o brinquedo e juntou a nova moeda a outras que estavam no fundo. Fechou cuidadosamente o cesto e disse séria: - Sabes? Assim o meu dragãozinho faz magia. - Pois faz! – concordei. Se pedires um Euro a cada pessoa... - Vês, como percebes? Já não era sem tempo... ufa! - E porquê a laranjinha fresca? - Para a minha mãe, que espera um bebé e precisa de vitamina. ... Fui para a cozinha, estendi um pano na bancada, assentei um prato no meio e arrumei nele bolo, fruta, pacotinhos de sumo. Atei as pontas em cruz, como vira tantas vezes a minha mãe fazer, que nunca deixava um pobre sem um prato de comida. Tinha-me esquecido da força da solidariedade silenciosa, no deserto de cimento onde berram de todos os lados: Compre! Compre! Compre! E nos agridem a cada instante com preços, com cotações, promoções, anúncios de bens supérfluos. Nos assustam e envenenam com apelos ao consumo desenfreado. No oposto, a suavidade de um “toc-toc-toc” na porta. Uma menina com vestido cor-de-rosa e um dragãozinho de plástico que faz magia pelo modesto preço de um Euro. A inteligência ensinando a todos o modo sublime de contribuir para a paz.Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1138023670628997772006-01-23T13:33:00.000+00:002006-01-23T16:42:26.023+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/FilisminaSampaio.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/FilisminaSampaio.jpg" border="0" alt="" /></a><br />A AUSENDA<br /><br /><br />A ÚNICA CASA QUE FICAVA PERTO DA DO LOUREDO, ERA A DA AUSENDA. <br />CASA BAIXA, PEQUENA, DE TELHA VÃ MUITO VERMELHA, CAPOEIRA E FURDA AO LADO.TERREIRO CURTO. <br />MAIS ABAIXO A HORTA, A VINHA, E UMA ÁRVORE RARA - UM MEDRONHEIRO, TRAZIDO SABE-SE LÁ DE ONDE, QUE NO FIM DO VERÃO SE ENCHIA DE FRUTOS GULOSOS, VERMELHOS,SUCULENTOS... <br />- NÃO COMAS MAIS, LURDES, SENÃO EMBEBESDAS-TE! <br />AI, MEU DEUS, DELICIOSOS FRUTINHOS EXÓTICOS, FASCINANTES, ÚNICOS, QUE ME FICARAM NA MEMÓRIA DAS PAPILAS GUSTATIVAS E NOS OLHOS PARA O RESTO DA VIDA! <br />AI, ESTA ÁGUA A CRESCER-ME NA BOCA COM A LEMBRANÇA! <br />A AUSENDA, FIGURA VAGA, VINTE E TAL, RONDANDO OS TRINTA, ERA CASADA COM O ANTÓNIO CAPINHA, HOMEM RUDE, JORNALEIRO, TRABALHAVA ONDE HAVIA TRABALHO E, AO DIA DE RECEBBER A JORNA, BEBIA, CHEGAVA TARDE A CASA, BATIA NA MULHER QUE GRITAVA, DIZIAM, MAS NÃO IA NINGUÉM ACUDIR-LHE: ERA UM HÁBITO E, COMO SE DIZIA, APANHAVA AINDA POUCAS, QUE "TINHA UM AMIGO"... <br />FALAVA-SE, FALAVA-SE... <br />QUE SE VIRA O SOARES, HOMEM BEM DISPOSTO, DE CARA LARGA E ROSADA, QUE SE TRATAVA BEM <br />DIZIA-SE... <br />DIZIA-SE QUE FORA VISTO A ENTRAR LÁ EM CASA NA AUSÊNCIA DO ANTÓNIO; <br />QUE O ESCONDIA ATRÁS DA PORTA SE ALGUÉM DE FORA CHAMAVA; <br />QUE ANDAVA SEMPRE A LIMPAR-SE AOS SAIOTES, TINTOS DE SANGUE QUE ERA UMA VERGONHA. <br />O ANTÓNIO TINHA ALGO DE MISTERIOSO QUE FALAVA AO MEU INSTINTO DE MENINA CURIOSA, UM FASCÍNIO: A SUA VOZ GUTURAL E FUNDA. <br />FALAVA POUCO, MAS HAVIA ALGO TÃO ESPECIAL, ARREPIANTE, NA SUA VOZ! <br />PORQUE É QUE A AUSENDA NÃO GOSTARIA DO SEU HOMEM? <br />TINHAM UM FILHO, O TÓ CAPINHA, QUE ANDAVA NA ESCOLA E QUE, NA MINHA MEMÓRIA, ME PARECE SEMPRE COM UNS NOVE ANOS, ALTO E ESGALGADO. <br />BRINCÁVAMOS RARAMENTE. <br />EU ERA UMA GAROTA PEQUENA, AS NOSSAS MANEIRAS DE BRINCAR MUITO DIVERSAS: ELE BRINCAVA COM OS OUTROS MIÚDOS NA ESCOLA, IA AOS NINHOS, AOS TORTULHOS, ÀS CASTANHAS. <br />EU FAZIA BONECAS DE TRAPOS, CASINHAS DE PEDRAS SOLTAS COM MURO E JARDIM, INVENTAVA HISTÓRIAS, PERSONAGENS, VIDAS. <br />LEMBRO-ME DE ESTARMOS EM CIMA DO MURO, ELE A DESENTERRAR E A DIZER-ME QUE SE COMIAM AQUELES PEQUENINOS BOLBOS DAS CAVALINHAS, E EU RELUTANTE EM TRINCÁ-LOS! <br />UM DIA ESCULPIU DOIS ANIMAIS EM MADEIRA, COM O SEU CANIVETE, PARA LEVAR À PROFESSORA. <br />ERAM LINDOS! E EU NÃO ERA CAPAZ DE FAZER ASSIM! EM FÚRIA,ARREMESSEI-LHES PEDRADAS CERTEIRAS - AI, A PONTARIA QUE EU TINHA - E, ZÁZ! NUM MOMENTO LANCEI-OS DA PAREDE DO POÇO PARA O FUNDO, TRINTA METROS ABISSAIS,DEVEM TER CAÍDO NOS OLHOS DE ÁGUA BORBULHANTES QUE VI MARAVILHADA QUANDO CONSEGUIRAM DESPEJÁ-LO PARA O LIMPAR. <br />ARREPENDI-ME LOGO. <br />MAS COMO REMEDIAR TANTO MAL?! <br />COMO APAGAR DOS MEUS OLHOS A IMAGEM DA CARA ESTUPEFACTA DO TÓ, AINDA INCAPAZ DE CHORAR, OS BRAÇOS CAÍDOS, A BOCA PASMADA, UMA DOR SUPERIOR À COLERA?! <br />A AUSENDA IA ÀS VEZES PASSAR O SERÃO À LAREIRA DA MINHA AVÓ. <br />FALAVAM NÃO SEI O QUÊ. O ANTÓNIO IA ÀS VEZES, MAS SAIA SEMPRE MAIS CEDO. O TÓ CABECEAVA E ADORMECIA E ELAS FALAVAM, FALAVAM... <br />POR FIM A AUSENDA PEGAVA NO FILHO AO COLO, AS GRANDES BOTAS DE COURO CRU A BATER-LHE PELOS JOELHOS, E LEVAVA-O, A BOCA ENTREABERTA, A CABEÇA A BALANÇAR,ADORMECIDO. <br />EU FICAVA CHOCADA COM AQUELE MIMO TODO! <br />MIMO! <br />ACHAVA UM NOJO, UMA VERGONHA MUITO PIOR DO QUE O QUE DIZIAM DELA, E EU MEIO PRESSENTIA PELO TOM DAS VOZES, PELO FALAR À SOCAPA. <br />EU NUNCA TIVERA MIMO! <br /><br />ÀS VEZES A AUSENDA GRITAVA: <br />- SOU VIRGEM! <br />FALAM DE MIM, MAS SOU TÃO VIRGEM COMO NOSSA SENHORA! <br />O RESTO, ERAM QUEIXAS, QUEIXAS, QUEIXAS... QUE EXCLAMAÇÕES GRITAVA ELA! <br /><br />MORRERAM: PRIMEIRO A AUSENDA, AINDA NOVA, DE CANCRO NO ÚTERO. DEPOIS O ANTÓNIO,DE VELHO. <br />O TÓ PARECE QUE VEIO PARA LISBOA E FEZ FAMÍLIA. <br /><br /><br />A CASINHA, DA ÚLTIMA VEZ QUE A VI, PARECEU-ME AINDA MAIS PEQUENA. <br />LÁ ESTÁ, MUITO NEGRA, AO ABANDONO. <br /><br />E ERA TUDO TÃO GRANDE E TÃO LONGE!<br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1138022077133751232006-01-23T13:11:00.000+00:002006-01-23T16:43:03.903+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/self_sum05_17k.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/self_sum05_17k.jpg" border="0" alt="" /></a><br />Stress... para quê, se tudo é efémero?!<br /><br />Silvio entrou na sala, feliz por vê-la vazia. <br />Desabotoou os botões da bata e retirou do pescoço o colar que de há muito compunha a sua indumentária. <br />Depôs o estetoscópio, em cima da mesa e sentou-se na cadeira giratória. <br />Cotovelos apoiados sobre a mesa, mergulhou o rosto na concha das mãos abertas. Respirou fundo. <br />Há muito não tinha o privilégio de ficar a sós consigo. <br />Tentou não pensar em nada, abster-se de tudo: de Natália, das crianças, das tramóias em que se envolvia, ao tentar sobrepô-las. <br />Da história clínica dos que padeciam naquela hora. <br />Tentou encontrar-se no meio do mundo que o submergia. <br />Não conseguia. <br />Tanto recomendava a todos que se abstivessem de sentir-se tensos... <br />Tantos conselhos e comprimidos, tantos truques aprendidos ao longo da vida, ensinados dia a dia... Mas consigo mesmo não resultavam! <br />Que médico lhe valia? <br />Sentia-se frágil como uma criança, uma criança desvalida. <br />Lembrou-se do episódio de Dirce, em que não acreditara: <br />Dirce estivera em coma. Por onze dias, mantiveram-na viva no termo da esperança. <br />Um dia abrira os olhos diante dele e dissera: <br />- Doutor! Eu sei que o senhor que esteve todo este tempo ao meu lado. Quanto tempo se passou, desde que adormeci? <br />Olhou-a surpreso. Dirce de nada podia lembrar-se. <br />Ela olhou-o nos olhos, bem fundo, com uma lucidez de assustar. <br />- Sei o que pensa, doutor. Mas eu via tudo enquanto dormia, pode crer. <br />Via o senhor e o ir e vir do pessoal. <br />Via a enfermaria ser limpa todas as manhãs. Via as enfermeiras trocar os frascos de soro. Via o senhor, sério, a meu lado. <br />- Estás enganada, Dirce, descansa – disse-lhe ele, na voz da rotina fatigada... Tantas crenças vãs, tantas histórias forjadas... <br />- É verdade, doutor! <br />Eu estava deitada mas flutuava na sala. <br />- Lembra-se daquele dia em que telefonou à sua outra mulher, Vânia? <br />Sílvio não disse nada, porém o seu rosto falou, porque Dirce prosseguiu: <br />- O doutor estava zangado. Falava no telemóvel e dizia <br />- Vânia, pára com essa conversa de uma vez por todas! Sempre te disse que por mais que me custe jamais abandonarei Natália e aos meus filhos para ficar contigo! <br />Sempre o soubeste. Pára com isso de uma vez se queres manter o nosso bom relacionamento! <br />Dirce viu o assombro patente na cara do médico. <br />- É verdade ou não é que o doutor teve esta conversa no telemóvel enquanto estava aqui no quarto e eu dormia? <br />Agora Sívio pensava, mais uma vez, nos mistérios insondáveis com que lidava. <br />Tinham-lhe ensinado tanto, tinha lido, escutado... mas onde, mas em que canto se encontrava o cerne que separa a morte da vida? <br /><br />E ralava-se Natália com a roupa, com a mobília, com a ascensão social da vizinha, com o estado das sebes do jardim, que eram obrigação dele e não cuidava! <br />E preocupava-se Vânia com o seu “futuro imediato”, como dizia... porque envelhecer é inevitável e a beleza é o seguro de toda a mulher que não é casada com o homem da sua vida, mas da vida de outra... e de qual delas era ele o homem, afinal? <br />E de si, quem cuidava? <br />Qual delas se preocupava a sério com o seu íntimo, lhe perguntava como se sentia ao fim de cada dia de luta, lhe prestava cuidados em vez de lhos pedir? <br /><br />E Sílvio chorou na concha das próprias mãos, encontrando finalmente o ansiado regaço no âmago de si mesmo!<br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1137941254654600642006-01-22T14:42:00.000+00:002006-01-23T16:43:42.496+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/%21cid_004201c5984c%243371ce40%241f8096c8%40Raquel.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/%21cid_004201c5984c%243371ce40%241f8096c8%40Raquel.jpg" border="0" alt="" /></a><br /><br />É preciso acreditar no advir<br /><br />A manhã virá!<br />Temos de puxar os carros que trazem o sol!<br />Temos de estilhaçar os cacos que impedem a passagem da brisa<br />São as mãos dos homens que levantam as paredes das prisões; mas as prisões <br />não duram sempre... e a erva crescerá no chão repisado das celas!<br /><br />O meu coração está inquieto<br />porque ainda não é hoje que veremos a manhã anunciada.<br />Mas jamais a noite conseguiu ser eterna.<br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1137940740607681172006-01-22T14:30:00.000+00:002006-01-23T16:44:24.130+00:00<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/f947008.0.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/f947008.0.jpg" border="0" alt="" /></a><br /><br />Deus e eu<br /><br /><br /><br /> <br />Os anjos estão entre nós, assim como Deus está dentro de nós: estão sempre connosco!<br />Temos de nos esforçar por ir ao encontro deles, por ter um coração limpo onde eles habitem... porque só assim eles estarão felizes e nos farão sentir felizes.<br />Quando rezo, converso com o meu anjo e com Deus, nada pedindo mas expondo o que se passa comigo:<br />se estou alegre, agradeço; se estou triste, alivio o coração; se estou aflita procuro que me encaminhem de modo a achar uma maneira de sair dessa angústia.<br />Não faço negócio com Deus: negócio implica comércio, portanto medição de egoismo entre o que pede/vende e o que dá/compra... isso, a meu ver, não é bonito para Deus... Deus ajuda por amor!<br />Toda a gente que ama ou amou de verdade sentiu esse desejo imenso de fazer feliz o ser amado, nada querendo em troca senão a retribuição pura desse amor. E assim se faz a harmonia.<br />Para mim, Deus tem todos os nomes (o de todas as pessoas que têm existido, existem e existirão), pois somos partículas da sua grandeza e ele habita-nos, senão não viveríamos.<br />Tendo todos os nomes, é único e, se seguissemos os ensinamentos que alguns mais próximos dele têm ensinado ao longo do tempo (Jesus, Maomé, Buda... ) não nos esqueceríamos de que somos um templo e de que o reino não é nosso, mas dele (Deus) e que estamos de passagem... fazemos falta uns aos aos outros, para nos ampararmos, para ascendermos e evoluirmos, de modo a tornar-nos seres melhores.<br />Digo seres, porque penso que Deus habita tudo quanto existe, não apenas os Homens.<br />Na verdade, Deus é tudo. O que os nossos sentidos percebem é efémero.<br /><br /><br />Não costumo falar deste assunto, porque os que têm crenças delimitadas por regras, punição e recompensa... se creem de coração, têm todo o direito e, sem querer, posso ofendê-los.<br />Acho que as regras foram inventadas pelos Homens, que são competidores por natureza.<br />Tão competidores que conseguiram subir ao topo da escala e... predadores, não só se destroem uns aos outros (em massa; inventando horrores inimagináveis como a tortura; as armas químicas, as armas atómicas... matando e destruindo sem olhar a quem nem a quê) como destroem os outros habitantes da Terra, nosso berço comum e único!<br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1133241958585252422005-11-29T05:04:00.000+00:002006-01-23T16:45:03.966+00:00Deixem-me ser criança<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/cococha.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/cococha.jpg" border="0" alt="" /></a><br /><h6></h6><ul><br /></ul><p><br />Eu não sabia brincar como as outras meninas, que só conheci aos 7 anos... as minhas brincadeiras eram fazer teatrinhos com bonecos recortados de papel, que contavam histórias.<br />Também inventava cantigas.<br />Não tendo poiso certo, não tinha hábitos, muito menos a quem imitar.<br />Achava esquisito que as outras meninas não soubessem ler.<br />Imaginas quanto elas me achavam esquisita a mim?!<br />Não tinha ninguém, portanto toda a gente descarregava a raiva batendo impunemente na mais pequenita, que só se safava quando adentrava por meio de penedias onde até os adultos tinham medo de entrar.<br />Pensava: quando chegar à 4ª classe hei-de ser grande e ninguém me há-de bater!<br />Pois sim!<br />O problema não foi ter crescido pouco, mas terem-me batido tanto... e se a pancada por fora dói, mais dói por dentro, se não se encontra razão para ser espancada a torto e a direito...<br />Quando tinha doze anos, por trancos e barrancos, herdei umas velhas bonecas... que alegria brincar com elas!<br />De trapos, vesti-as de princesas... e eu vestia trapos que os outros iam deixando... ao mesmo tempo lia Sartre, Steinbeck, Tostoi, filósofos, clássicos .... li "As Metamorfoses" de Ovídio, em francês.<br />Ganhei prémios na escola, onde ninguém foi.<br /><br />Não conheci os meus avós.<br />Talvez o avô Petronilho fosse diferente, a julgar pelos livros que deixou.<br />As minhas avós... nunca me conheceram, nem se importaram em deixar-me ao deus-dará.<br />Não me escondo, nem tenho de que me envergonhar.<br />Se pudesse arrancava estes genes das veias!<br /><br />Não conto os anos nem os sinto cá dentro; serei talvez menina eterna, que se ilude e sonha... a quem um grão desequilibra a consciência.<br /></p><p>Deixem-me ser criança, que ainda é tempo! Em breve farei 5 anos, pois nasci de novo...<br /></p><p>Tenho a eternidade inteirinha para envelhecer... se possível for!</p><br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1133240108684474282005-11-29T04:37:00.000+00:002006-01-23T16:45:42.236+00:00Será que Freud explica?!<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/FP839_a.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/FP839_a.jpg" border="0" alt="" /></a><br />Odeio Matemática... será que Freud explica?<br /><br /><br />Na minha juventude um livro era famoso (ou seria uma frase?!)<br />"Não há raparigas feias"<br />Porque nos queriam cegas e, portanto, enchiam-nos a cabeça de futilidades.<br /> Não era o meu caso.<br />Enquanto as minhas colegas queriam ser "Hospedeiras de Bordo", eu queria ser "Assistente Social"<br />Quando soube de advogados presos por defederem presos políticos e de presos que cederam à tortura e se suicidaram e de inocentes presos pelo crime de pensar sem que ninguém ousasse defendê-los, teria 15 anos... ocorreu-me cursar Direito.<br />Ilusões que o machado do ódio cortou.</p><p><br />O meu pai queria comprar muitas casas, tinha dois carros sómente para si (um Morris beige para atravessar diàriamente a Ponte e um Sunbean de duas cores para trazer o que os rendeiros "lhe ofereciam"</p><p>Ele chegava lá e colhia o que não lhe pertencia, o que sempre me envergonhou... eu nem um bago de uva conseguia comer, pois se pagavam renda, o que cultivavam era seu.<br /><br />Naquela aldeia na Idade Média onde os meninos iam descaços na neve para a escola e passávamos os intervalos a aquecer as mãos debaixo dos braços porque réguadas em mãos encarquilhadas de frio... são como brasas vivas queimando mãozinhas tenras!<br />Percebes porque odeio matemática?<br />Ler aprende-se por intuição, mas fazer contas?!<br />Já no liceu equacionava os problemas, entendia-os... mas fazer as contas?!<br />Freud explica e Pavlov também: era por reflexo que ficava doente e cega, suava e ficava incontinente nos testes.<br />A única mazela que, apesar de tanto sofrimento não me afectou, foi a dificuldade de aprendizagem. Fixava tudo de ouvido, graças a Deus, porque tinha todo o serviço doméstico a meu cargo... tempo para estudar era um luxo!<br />Ter folhas de ponto também:</p><p>- 3 tostões outra vez?!Vai ganhá-los para a estrada!</p><p>Só depois de casada, quando fui visitar os meus sogros e vi os estranhos pic-niques à beira da estrada, o meu ex-marido me explicou que pic-niques eram... e o que o meu pai dizia fez enfim sentido.</p><p>Graças a Deus: o que a gente ignora não nos magoa.<br /><br />Maria Petronilho</p>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1133237476120275532005-11-29T03:49:00.000+00:002006-01-23T16:46:11.686+00:00Da flor do Rosmaninho<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/asa%20122.gif"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/asa%20122.jpg" border="0" /></a><br /><h6><br /></h6><ul><br /></ul><p><br />Ah, que saudades da flor do rosmaninho, que sempre adorei!<br />Desde pequenina, onde hovesse rosmaninho em flor era como se da terra um íman irrestível me chamasse<br />... Lembro-me do Alvarinhal, onde o chão estava pejado dele... </p><p>E havia um rio.<br />Mas colocaram uma bomba, destruíram tudo: rio, peixes... para regarem as hortas, embora houvesse um poço, ladeado de roseiras... o Soares tinha as mais lindas rosas, que perfumavam tudo em redor!<br /><br />No rio, dizem que o avô Petronilho pescava com chumbo... um horror!<br /><br />E havia "a toca dos coelhos"!</p><p>Se a malina matasse todos os coelhos , ali nunca faltavam: Viviam sob rochas enormes, com buracos.<br />O meu avô, dizem, tinha um furão amestrado.<br /><br />Devia ser levado da breca!</p><p><br />Gostava era de sair para o campo, pescar, caçar, petiscava ouriços cacheiros... mandava esfolar e grelhar as orelhas dos bichos que se matavam em casa, deixando a carne de lado... gostava de vinho e de se escapulir para Espanha, onde passava mais tempo que em Portugal.</p><p><br />Minha avó não era bonita (nem feia), mas não tinha os traços finos da irmã nem da filha.<br />Meu avô devia pôr as espanholitas doidas! E vice-versa...<br /><br />Aprendi a cantar malageñas... também com as pessoas fugidas à Guerra Civil.<br />A Espanhola atravessou o rio Ponsul com os filhos atados à cintura, o mais pequeno à cabeça... Perdeu-os todos, não sei se salvou o bebé, diziam que sim e que não... nunca lhe vi filho algum.<br />Trajou para sempre de preto, a sua horta era um lindo primor, ganhava a todas!<br />Nunca aprendeu uma só palavra de português.<br /><br />Da fonte do Louredo, desde tempos de antanho, as minhas avós distribuiam água aos vizinhos, que corria límpida e fria em regueiras escavadas no granito.<br /><br />Foi a Espanhola quem me furou as orelhas.</p><p> Baptizaram-me em Monsanto.<br />Nada herdei, mas ainda tenho o meu magnífico fato de baptismo.<br /><br />Olha-me vestida com ele, em cima da Burra Velha! Que amazona, hein?!<br />Tudo deveria parecer cravos e rosas nesse tempo... depois... pobrezinha da minha mãe-menina!<br /><br /><br />Tenho lembranças tão nítidas, dos lugares, das pessoas, do que se dizia.... eu tudo escutava, encantada... diziam que o avô Petronilho gostava muito de mim.<br />Tinha tanta pena de que tivesse morrido!</p><p>Morreu de cancro no intestino, quando eu tinha um ano.<br />Diziam que tinha sido operado 7 vezes e que lhe substuituíram uma parte do intestino por um tubo de borracaha... mas de nada adiantou!<br />Seria verdade, não seria?!<br /><br />Não era a mim que contavam, que eu "nem existia"... contava-se e eu ouvia.<br /><br /><br />Gostava de poder encadear estas coisas para escrevê-las, mas são pedacinhos colados, vagos, vagos... ao mesmo tempo alegres e tristes.<br />Todos precisamos ter uma história de nós mesmos, ter pais, ter avós... eu não tinha!<br />Então estes ditos preenchiam-me: era como se os tivesse... e imaginava o meu avô, no seu ar marcial, de bigodinho...bonito e bon vivant, incompreendido, deliciando-se a ler poesia, romances, teatro... a herança mais bela que... sei lá como, foi sumindo!<br />Sumiu tudo, tudo se esvaíu como fumo: a casa de lavoura estava completamente vazia...<br /><br />Fui lá cumprir o dever de internar minha avó no Lar, onde era muito bem tratada... </p><p>Mas meu pai tirou-lhe a chave, colocou todos os seus petences no terreiro e ateou-lhes fogo... a pobrezinha ia a casa... e viu as suas coisas ainda a arder.<br />Foi ter com os meus compadres, a chorar.</p><p><br />Da minha pobreza, eu enviava vales para pagar os remédios, enviava roupa... </p><p>Vivíamos nesse tempo do que vendiam os ciganos, na feira onde hoje está o Fórum: trazia quilos e quilos de fruta ("dois quilos, cento e cinquenta!") ... minha filha nesse tempo era alimentada a leite e maçãs.</p><p><br />Daí, as hérnias discais!<br />Talvez daí, o horror dela só de pensar em pobreza, agora que se vê rica.<br /><br /><br />Coisas da vida, demasiadas coisas... !<br /><br /><br />... Vês a fiada de lembranças que abriste no cofre selado da minha alma?!</p><p>Selado! Há coisas em que dói muito pensar.<br /><br />Maria Petronilho</p>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1127003062321780572005-09-18T00:49:00.000+01:002006-01-23T16:46:39.316+00:00Só estou para a Senhora Morte<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/6820404.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/6820404.jpg" border="0" alt="" /></a><br />Só estou para a Senhora Morte<br /><br />A si, Senhora Morte, espero-a na minha quietude cansada.Espero-a coroada de tantas flores quantas as que na vida me negaram, ou roubaram.Espero-a envolta em trajes brancos, resplandecente, sorrindo ao fundo do túnel de fúlgido azul.Espero-a com o sorriso da verdade única, primeva, ao lançar-me nos seus braços confiantes, que me não renegarão, nem me julgarão demasiado humilde, nem simples-simplória para neles me acolher.Abraçar-me-á como a todos os ricos e prepotentes, como a todos os mandantes e assassinos, como a todos os crápulas e santos.Sei que está à espera, como eu estou... nem uma nem outra demasiado ansiosa, Mas tranquilamente, sabendo-nos fiéis.</p><p></p><p>Maria Petronilho</p><p>(replicando com carinho ao artigo de Raymundo Silveira "Digam que não estou")</p><p></p><p>Lisboa, 18/9/2005<br /></p>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1126370022024725902005-09-10T16:52:00.000+01:002006-01-23T16:47:04.260+00:00Viagem<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/Fresh%20Aple.jpg"><img style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/Fresh%20Aple.jpg" border="0" /></a><br /><h6></h6><ul><br /></ul><p>... Que não te falei de mim!....<br />Prefiro chegar, Assim, sorrateira, enquanto dormes.<br />Fico a olhar-te, observando o teu sossego.<br />Aproximo-me muito devagarinho, levanto a ponta do lençol.<br />Muito, muito ao de leve, toco os pêlos da tua barba. Beijo-te à flor do rosto, tomando cuidado para não te tocar os lábios.<br />Vagueia uma leve tristeza.<br />Algo na nossa amizade esfria e empalidece.<br />Sou movida adiante, à força de porquês.<br />Por defeito, começo por analisar os meus gestos, percorrendo um por um todos os momentos, na ordem inversa dos acontecimentos.<br />Não encontro culpas.<br />Dentro do silêncio, algo me escapa. Mas está hermeticamente fechado como uma pérola, um ovo. Teria de quebrá-los para ver o que têm dentro.<br />Não são meus, porém. Deposito-os na estante dos segredos.<br />Talvez se abram. Talvez amadureçam. Talvez despertem. Talvez se adensem.<br />Estão lá, eu estou aqui, de alma desnuda.<br />Já tenho direito a seguir todas as rotas da rosa-dos-ventos, sem dar explicações.<br />Já tenho audácia para seguir os caminhos do coração.<br />E fi-lo. Foi um salto no abismo: de mim para ti.<br />Enfrentei-me com o hábito que visto por dentro... e é tão difícil despi-lo!<br />Era feliz e sou feliz.<br />Se também assim te sentires, a fasquia com que meço a altura dos meus saltos no desconhecido subirá mais alto.<br />Sei que a minha jornada não é comum.<br />Desde o começo. Assim, parecer-te-ão inusitadas muitas coisas, comummente achadas entre as pessoas que conheces, como a elas pareceriam inusitados os meus caminhos.<br />Falo-te sem sombra alguma.<br />Com a tal sinceridade “excessiva” que é a minha marca...<br />Penumbra... a única penumbra bela é a que recobre os picos da tua ilha.... o resto é sombra.<br />Ofusca a clareza.<br />Da clareza flui a amizade, a poesia, o pensamento que discorre e não tem como avançar no escuro.<br />Amo o sol, o céu, o mar!<br />Amo ser brisa e onda, não cais nem âncora.<br />“Gostas de ser tratado como um Paxá”... a minha vontade foi de te embalar no colo.<br />Mas não ousei, fiz-me ainda mais pequena, encolhida no meu canto.<br />Para não te perturbar o sossego.<br />Sem peias te falei, o mesmo esperava de ti.<br />Sem mais... peias.<br />Qualquer de nós tem imaginação para fazermos de David e Rainha de Sabá...<br />No conto falo do encanto.<br />Talvez se a realidade tivesse imitado a ficção... talvez o esperasses, desejasses. E seria bom.<br />Faltou-me um levíssimo impulso.<br />Acaso te apercebeste?<br />Acalanto sonhos de voo, sim!<br />Gostava de deslizar pelo ar, suspensa de um balão. Imagino que sobrevoo o oito infinitamente azul da Lagoa das Sete Cidades.<br />Gostava de saltar de pára-quedas, com uns óculos que me permitissem manter os olhos abertos, como quando mergulhava entre as algas, em Sesimbra.<br />Ou nadava sobre miríades de peixes, finos e prateados como agulhas, reluzindo sob o meu corpo suspenso, no sol que mergulhava, no mar que me sustinha.<br />Eu sei que gosto de um homem quando o admiro.<br />“a ocasião faz o ladrão”... se assim é, que o ladrão seja tão competente que me arrebate!<br />Agora poiso de novo os lábios sobre o teu rosto, atenta às distâncias.<br />Deixo cair de novo a ponta do sono sobre as pálpebras que encerram o fulgor dos teus olhos adormecidos.<br />Cubro-te de bênçãos e, no mesmo silêncio em que cheguei, parto. Ficando sempre contigo.</p><p></p><p><br />Maria Petronilho<br /><br /><br /><br /></p>Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1116105520694697812005-05-14T22:17:00.000+01:002006-01-23T16:47:35.640+00:00Muito alcança quem não cansa!<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/CAENSX2N.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/CAENSX2N.jpg" border="0" alt="" /></a><br /><h6></h6><ul><br /></ul><br />Bem que Faustino saltitava, alternando as pernas!<br />Bem se apoiava na pontinha das garras!<br />Qual quê!<br />O sol ardia no céu, como se Deus nessa tarde tivesse acordado com vontade de sol frito em frigideira azul cobalto.<br />O pobre, de pupilas encolhidas num finíssimo losango, desatinava.<br />O sangue lá dentro fervia.<br />A cabeça em triângulo rodava... Rodava por dentro, de febre e fadiga e rodava por fora em busca de sombra.<br />Cada grão de areia era uma agulha em brasa que atravessava a escama e lhe feria a ténue membrana da pata.<br />Desatou numa correria, sem saber para onde ia... mas ao menos tentava remediar qualquer coisa de tanta que o incomodava.<br />Seguiu numa carreira, ziguezagueando como louco, pensando:<br />- Se me virem julgam que é da cerveja... Ah, uma cerveja gelada, borbulhante e loira a escorrer pela goela...!<br />Não pensem que um réptil tem miolos de galinha... ora essa!<br />Faustino era um poço de inteligência<br />- ...Ah, um poço!<br />Um poço de água rasa, fresquinha, muitos limos à tona; girinos na chocadeira...<br />Faustino muito corria, mas onde o que sonhava?!<br />Longe, rubro em meio ao amarelo fulgente do solo, vislumbrou um livro caído ao desleixo, a lombada soerguida, as páginas desalinhadas, como se as palavras coscuvilhassem entre elas.<br />- Ena! ... Uma sombra!<br />Faustino deslizou como um raio, de cabeça perdida, sem pensar que podia aninhar-se, ali escondida, uma armadilha... Pensava era na frescura, no alívio que teria, no descanso das pernas musculosas de tanto balanço que nem bailarino em palco!<br />Ele, um lagarto a bailar num palco!<br />... Riu-se muito o Faustino, que era pequeno e esguio, curioso e ladino... em todo o buraco metia o focinho!<br />Por isso já fora ao teatro, à ópera, à escola...<br />Pensam que um lagarto não pensa?! – Engano vosso!<br />Entretanto atingiu o refúgio... estendeu-se ao comprido... suspirou de alívio!<br />Ofegando, deixou que a temperatura se equilibrasse um pouco, depois virou-se e leu alto:<br />“O senhor presidente decretou que a açude será inaugurado pelas sete da tarde”.<br />Virando a cabeça para a sua sombra no chão, Faustino consultou o relógio<br />– ora essa! Seis e meia!<br />Ao longe, o ruído da banda feriu-lhe a sensibilidade das membranas auditivas.<br />As rodas dos carros todo o terreno abalaram o chão e Adolfo estremeceu<br />– Ai que o livro descai! ... Gritou para consigo mesmo.<br />Cada vez mais perto, o tumulto.<br />Já distinguia sobre as caixas abertas dos camiões, uns rolos imensos com mangueiras enroladas.<br />Os carros dos bombeiros, as limusinas com tejadilhos abertos, e humanos gordos, vermelhuscos, embonecados em trajes de brancos linhos.<br />Adolfo pensou que era hora de erguer as patas dianteiras ao céu:<br />– Adeus mundo, que tão breve foste e depois de me assares me comeste!<br />... mas pareceu-lhe fora do tempo verbal a oração.<br />– Espera lá! Eu posso estar tisnado mas assado... nem por isso!<br />– E quanto a ser comido... Deus me livre, que arrepio!<br /><br />Lembrou-se logo da falecida que vira desaparecer esperneando nas mandíbulas de uma cobra safada... Que horror!<br />Deu um salto, e correu, correu, correu...<br />– Para onde irei? Aonde haverá um penhasco, uma árvore, aumm... pum!<br />– Um poste!... ainda discerniu, antes de cair de pantanas.<br />– Ai! Ui! ... Ai a minha cabecinha, como dói!<br />Mas o barulho alto lembrou-o da inundação que em breve se desataria daquela embrulhada toda...<br />– Pernas, para que vos quero?!<br />Tomou balanço, abraçou o mais que pôde o largo tronco e subiu, subiu, subiu subiu....<br />Viu as horas, pelo relógio da sombra... Da sombra do poste do chão, ora essa... Não estão pensando que o Faustino ia despencar do poste só para saber o tempo, pois não?!<br />Soou algo como chuuuuuuaaaaaaaaaaaaaaaaaa<br />Os tambores rufaram:<br />– Zabum! Zabum! Zabum!<br />Os humanos alinhados e de branco subiram ao palco armado na caixa de outro camião... e o falatório enjoativo, monótono, as vénias à direita e à esquerda...<br />Que nem na torreira suas excelências esqueciam as “boas maneiras”... Faustino fez uma careta.<br />A água entretanto jorrava...<br />Lá de cima, Faustino alcançou então a descoberta:<br />O seu grande deserto, onde se esfalfava e quase se escalfava não passava de uma regueira aberta entre dois campos de soja.<br />– Ora esta! Bendita a hora em meti o focinho na escola!<br />... E então, só então, agradeceu lá do alto ao Altíssimo a sorte que tivera!<br /><br /><br />Maria Petronilho,<br />14/5/2005Mariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1115629910672337592005-05-09T10:10:00.000+01:002006-01-23T16:48:11.293+00:00DEUS<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/G%3F%3Fnesis.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/G%3F%3Fnesis.jpg" border="0" alt="" /></a><br /><h6> </h6><ul><br /></ul><p>EU TENHO DE DEUS UMA IDEIA: UM CAMINHO PARA A PERFEIÇÃO, PARA A PAZ, PARA O AMOR ENTRE TODAS AS COISAS: ENTRE OS HOMENS E TUDO QUANTO EXISTE: POR ISSO TODO O SOFRIMENTO ME DÓI TANTO... </p><p>TODO O SOFRIMENTO ME PERTENCE, PORQUE EU FAÇO PARTE DO TODO E O TODO FAZ PARTE DE MIM: O TODO É DEUS!<br /></p><br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1115629394349795762005-05-09T10:00:00.000+01:002006-01-23T16:48:50.096+00:00... Se a Poesia vem...<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/Walkorqamarela2.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/Walkorqamarela2.jpg" border="0" alt="" /></a><br />Há dias em que uma súbita rosa desabrocha na palma fria da mão.<br />Olhamos e vemos que íamos distraídos vida fora pensando em coisas fúteis, relegando no inconsciente o que na verdade interessa:<br />O amor e o sonho.<br />... E se a poesia vem com tão belo traje ao nosso encontro, torna-se límpido rio em que nos banhamos ... renovamos a alma!<br />Hoje esse milagre aconteceu.<br />Envolveu-me em raios de sol num dia de sombra... Fez-me feliz!<br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1106094514346148102005-01-19T01:28:00.000+00:002006-01-23T16:49:22.890+00:00A ROSA E O SER<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/Baby-Angel-VII-Print-C10286949.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/Baby-Angel-VII-Print-C10286949.jpg" border="0" alt="" /></a><br />A rosa abriu os olhos aos primeiros raios de sol.<br />Espreguiçou as pétalas e bebeu gotas de orvalho.<br />O ser pequenino acordou também e nele a esperança de ver o botão cerrado que cuidava. Correu ao jardim e sorriu de alegria ao ver que o sonho acontecera. <br />Estendeu as mãos pequeninas e, docemente, aconchegou <br />no côncavo as pétalas frescas e macias.<br />- Como é bom que tenhas nascido... murmurou. E ia mergulhar o rosto <br />na corola, para beijá-la e aspirar-lhe o perfume, quando uma vozinha murmurou:<br />- Tem cuidado!<br />O ser pequenino assustou-se, mas depois pensou ser a voz da sua imaginação. <br />Num ímpeto apaixonado, abraçou a rosa.<br />- Ai ! - Gritaram um e outro.<br />Um espinho acerado, perfurara a inocência do seu coração.<br />As pétalas ainda meio descerradas ficaram machucadas, e foram caindo. <br />Mas do âmago da rosa uma aura doirada se soltou e a ferida cobriu.<br />A gota de sangue, nele se envolvendo, na terra se embebeu.<br />O ser pequenino, elevou-se e pousou no coração da flor o seu coração ferido. <br />Reflectiram juntos acerca da angústia de amar-se demasiado.<br />A rosa sentiu o calor de uma lágrima e murmurou:<br />- Não chores, porque nem me destruíste nem o teu sangue se derramou em vão... <br />o pólen de soltaste, não se perdeu, fecundou o gineceu que esperava este momento. E o teu sangue derramado alimentará a nova roseira por que vim.<br />Juntos seremos eternos, pois o amor além da brevidade nos guiou.<br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1106094403565977712005-01-19T01:26:00.000+00:002006-01-23T16:49:59.216+00:00Menina e o Vento<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/pic_marciasnedecor7.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/pic_marciasnedecor7.jpg" border="0" alt="" /></a><br /> <br /><br /><br />Não me perguntem porque terei abandonado a rua que sempre pisava e me entranhei nos terrenos baldios cheios de latas e poças, sacos de plástico em tiras como bandeiras de nações despedaçadas.<br /><br />Andava a custo, por causa dos obstáculos e dos cheiros nauseabundos.<br /><br />Impelia-me uma espécie de ânsia que dentro do peito gritava, uma voz que ciciava ao meu ouvido.<br /><br />- Anda! Vem cavalgar comigo! – Voz nítida, concreta, próxima, feita de sons cujas notas soavam fora e dentro da minha cabeça.<br /><br />Olhei em redor, mas nada vi de estranho e no horizonte, ninguém!<br /><br />- Anda! Vem cavalgar comigo!<br /><br />Como estava sozinha, arrisquei:<br /><br />- Mas quem és tu?! E onde estás?<br /><br />- Sou o Vento, bradou ele numa voz muito alta.<br /><br />Dei um pulo:<br /><br />- Ora essa! O Vento chia, não fala, repliquei, mas sem convicção pois nunca tinha falado com o vento, apenas sabia do som que fazia passando e era inusitado que respondesse, que dialogasse... fosse em que língua fosse.<br /><br />- O Vento tem muitas vozes, disse-me, como se me adivinhasse... na verdade a sua voz soava dentro e fora de mim, em uníssono.<br /><br />- Dizem que o Vento canta nas folhas, nos pingos de água... atrevi-me a dizer.<br /><br />- Pois canta! E assobia nos caules de erva.<br /><br />- Está bem, mas nunca se disse que o Vento falasse!<br /><br />- No entanto estás a falar comigo, disse ele rindo.<br /><br />Eu também ri, porque o riso contagia mesmo se não sabemos do que rimos.<br /><br />Nós ríamos sabendo que era de nós mesmos e de nos estarmos descobrindo.<br /><br />- Porque me convidaste a cavalgar contigo se não te vejo, perguntei?<br /><br />De repente as minhas saias rodopiaram, o meu cabelo levantou-se e vi que o chão ia ficando cada vez mais longe.<br /><br />- Sentes-me, apesar de não me veres? <br /><br />- Sinto, respondi eu incrédula, mas sem medo nenhum como se me pegassem ao colo.<br /><br />À volta, tudo sereno. Parecia que o vento resolvera marcar encontro só comigo.<br /><br />- E porque me levantaste do chão?<br /><br />- Porque te convidei a viajar comigo e não me acreditaste!<br /><br />- Como havia de acreditar-te?! Não te vejo, não tens dorso, já foi difícil perceber que falavas quanto mais que me convidavas para um passeio!<br /><br />- Conheces-me desde sempre e ousas dizer que sou mentiroso?! Muitas vezes te convidei para passeios mas tu parecias nem dar conta, só olhavas o lugar onde punhas os pés!<br /><br />- E agora vejo o que pisava, confessei envergonhada... mas onde me levas?<br /><br />- Aonde sonhares ir!<br /><br />- Como hei-de sonhar, se não durmo?!<br /><br />- Não é preciso dormir para sonhar! Os melhores sonhos são os da vigília, pois trazem aos teus olhos o que mais anseias mas não te atrevias a olhar. Os sonhos estão sempre contigo.<br /><br />Fiquei um pouco a pensar nisto. Senti um novelo de todas as cores desenrolar-se diante de mim e disse-lhe:<br /><br />- São muitos sonhos e não sei qual escolha!<br /><br />- Escuta-os, também têm voz!<br /><br />- Hummm... pois será, mas diz-me: vou vaguear por aí como bruxa sem vassoura?<br /><br />Ele riu muito alto<br /><br />- És mesmo distraída! Porque não te aconchegas nas minhas asas e passaremos por onde quisermos, pois se me apetece sou brisa; se me aborreço, tempestade e se os meus companheiros me desafiam quando brincamos nas escadarias do céu, desato a correr e sou furacão...<br /><br />- Isso é muito mau porque partes tudo, já viste?!<br /><br />- Vejo depois, quando olho para trás... mas como querias que me divertisse se desde antes do tempo rodopio à volta da Terra, e cada vez me dão menos importância?!<br /><br />- E que acontecerá quando chegar o fim deste meu sonho?<br /><br />- Acharás outro e depois outro e outro.... quando te acostumares a viajar comigo, verás que não existe limite algum, pois o teu pensamento não tem princípio nem fim... como eu não tenho!<br /><br />- Já sei aonde quero ir.... mas é muito longe, disse eu baixinho.<br /><br />- Não existe longe para o vento, que te disse eu?! <br /><br />E o vento ia ficar zangado mas olhou-me por cima do ombro, viu-me os olhos embaciados e eu já agarrada com confiança nas suas penas transparentes, determinada...<br /><br />Acalmando, perguntou<br /><br />- Desculpa, sou impetuoso... onde queres ir primeiro?<br /><br />- .... a um lugar que existiu há muito, muito tempo...<br /><br />- O Vento não conhece o tempo, gritou!<br /><br />- Ao colo de minha mãe!<br /><br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1106092719340956372005-01-18T23:57:00.000+00:002006-01-23T16:50:42.686+00:00Estava Óscar em sossego...<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/sacks1as.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/sacks1as.jpg" border="0" alt="" /></a><br />O Óscar, um tipo calmo, via o tempo passar tranquilo. <br />Sozinhez de quando em vez, sim, mas quem a não tem, digam lá?! <br />Chegava na esquina, puxava conversa, dormia uma sesta, e pensava que bem lhesabia a liberdade que tinha. <br />Com isso se contentava. <br />Sentava-se junto à janela, às tardes, a ver quem passava. <br />Conhecia a D. Ana da Praça, o Zé Joaquim da Taberna, o Manuel da Hortaliça, aJoana da Mercearia. <br />... Mas um dia prendeu-se na saia dela! <br />Na saia e na bundinha, que ao andar rebolava, <br />E no pedaço de perna, torneada que aparecia, depois da bainha da saia, atésumir na chinela. <br />Um dia e outro ainda, quase sempre à mesma hora, lá ia a moça e o Óscar marcavaponto, no peitoril da janela. <br />Subiu os olhos à cinta, subiu pelas costas acima, e demorou-se na nuca. <br />Santo Deus, que coisa linda! <br />Ansiava ver-lhe a cara. <br />Passou a ir ao quiosque, a comprar uma revista, ficando a lê-la na rua. <br />A lê-la! <br />Fingia! E esperava. Da primeira vez que viu aquele palminho de cara, o Óscaraté tremeu, ficou corado e de olho arregalado. <br />Ai minha nossa senhora, tinha de saber quem era a moça morena que há tantotempo fazia, que andava de olho nela! <br />Virou-se num só impulso, como se fosse segui-la, esquecido de onde estava, docavalheiro que era... sentindo subir-lhe um viço, um arrepio, que era?! <br />De repente apercebeu-se, puxou o lenço do bolso e assou-se com estrondo,tentando disfarçar o embaraço com o alarido. <br />A vizinhança olhou e, à socapa, sorriu. <br />E ele, de novo composto, foi-se embora rua abaixo, enfiou-se porta dentro, foitomar um duche fresco. <br />Naquela altura, passou. Passou-lhe uma coisa, veio-lhe outra: um catarro mesmoa sério, que o manteve no recato por três dias, de resguardo. <br />Ao quarto, saiu do quarto e voltou para a janela, à espera dela. <br />E ela passou, donairosa, abanando a saia, rebolando a anca, os ombros a dar adar, ai o Óscar, que arrepios sentia! <br />Se era febre ou o contrário, quem saberia?! <br />Voltou a comprar revistas, às vezes repetidas, a ser fiel cliente do Janeca doQuiosque e foi metendo conversa. <br />Uma coisa leva a outra, e lá descobriu que a moça tinha por nome Jacinta. <br />Jacinta... ai que flor de moça, pensava! <br />Ja-cinta; Já-sinta... já sentia o cheiro dela, mesmo ao longe, da janela,quando passava na rua... <br />Mais adiante não ia. Isto é: querer, quereria, pior que não se atrevia a pisar ao tempo que ela as pedrinhas da calçada. <br />De noite é que eram elas! <br />O pobre já tinha olheiras, sonhava, que não dormia. <br />Sonhava com tantas coisas que nem posso descrevê-las! <br />Um dia a linda moça não é que lhe bate à porta?! <br />Truz-truz-truz! <br />- Quem vem lá? – Perguntou ele, arrepiado que nem um gato. <br />- Sou a Jacinta, senhor Óscar, faça favor de chegar à janela, que querodizer-lhe uma coisa! <br />Ai quer-me dizer uma coisa... pensou o Óscar e ia-lhe dando outra, ali mesmo,enquanto abria a vidraça. <br />- Ora viva, menina Jacinta, que já sei a sua graça! Que me quer a senhorita? Etodo ele se curvava, as mãos convulsas agarradas ao peitoril, os nós dos dedosbrancos, com medo de cair, com medo de saltar, de alçar a perna esquecendo-seda altura... não era muita, mas para quem o único desporto era comprarrevistas, a queda era certa. <br />- Sabe, senhor Óscar?! Sei que o senhor comprou um folheto de modas que eumuito procuro e era o último que o Janeca do Quiosque lá tinha... tinha ofeitio de uma blusa com folho na golinha... será que o senhor que me oempresta? <br />- Ó menina Jacinta, até lha faço, ora essa! <br />Entre, entre, faça obséquio! Não repare na modéstia da casa, já vê, sou umhomem solteiro... <br />E tremia-lhe a mão no trinco, afastava-se para o lado só uma fresta, convidandoa moça a entrar por ela... e a moça, que não se ralava com frestas, entrava, umpouquinho à força, roçando o peito de repente atrevido do Óscar, que escutava ocoração lá dentro, ecoando em toda a casa <br />Tum-tum-tum-tum! <br />- A menina sente-se na sala, que eu vou buscar a revista. <br />- Ora muito agradecida! – Retorquiu ela – e assomou-se à janela. <br />- Com que então é daqui que tu me comes com os olhos todas as tardes, e nem ostens para me dizeres bons-dias! <br />Ele apareceu com folhas várias, dispersas, nas mãos aos trémulas. <br />- Veja! Veja à sua vontade! Escolha qual é a tal que procura, <br />ia dizendo, porque não se achava, perdido de todo, numa hesitação desvairada,com vontade de ser folha desfolhada. <br />- E já escolheu o tecido, a menina?! <br />- Porque pergunta? Sua mãe é costureira? <br />- Eu vivo sozinho, menina. É que ia buscar a fita métrica, tirava-se o molde àmedida... <br />- Está bem lembrado, sim senhor! Vá buscar a fita, vá lá, senhor Óscar, e tenhacuidado não caia, olhe que tropeça! <br />Tropeçava. Tropeçava em tudo: na esquina da mesa, na ponta do tapete, nabiqueira da bota, malvada! Até a bota conspirava contra ele nesta hora, quemdiria! <br />A fita métrica... ora onde teria ele uma bendita fita métrica, que se enrolasseà volta de uma cintura?! <br />Tinha uma de alumínio... serviria?! <br />Revirou a caixa das ferramentas e veio de lá com uma fita extensível. <br />- Ó menina Jacinta, acha que presta, esta fita? <br />Ora se me permite... e espero que me permita! <br />- Permito, sussurrou ela, levantando ambos os braços: Ora meça! <br />- Ora meça... Homessa, se meço! <br />- Meço e não só! <br />- Meço, teço, ai que desta é que me atiro! <br />E foi-se chegando, chegando... ela esperando, esperando... ah como é infinitoàs vezes o tempo... <br />Mas chega sempre o tempo de dar o primeiro beijo!<br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6397496.post-1106092368486834832005-01-18T23:47:00.000+00:002006-01-23T16:51:30.183+00:00A gota de orvalho e o coelhinho Pimpão<a href="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/1600/Big-Nutbrown-Hare-Was-Listening-Print-C10300388.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;" src="http://photos1.blogger.com/blogger/3022/337/320/Big-Nutbrown-Hare-Was-Listening-Print-C10300388.jpg" border="0" alt="" /></a><br />O dia amanheceu cheio de sol. <br />De noite, o coelhinho Pimpão deliciara-se escutando a chuva a bailar no ar e a dançar sapateado no chão. <br />Pimpão adormeceu embalado pela música do céu. <br />A noite passou e o vendaval seguiu... <br />O dia acordou azul e sereno, resplandecente de sol. <br />Pimpão, olhou pela janela e sorriu <br />- Hummmm, exclamou sorrindo, espreguiçando muito as patinhas, quase tocando o topo da toca. <br />Saiu abanando a cauda e foi ter com a família, que preparava o pequeno-almoço na cozinha. <br />Comeu as ervinhas frescas que a mamã lhe serviu e depois saiu correndo, para brincar no ar, saltitar nas poças da chuva caída na noite anterior, mordiscar as pétalas de flor tenrinhas, que tinham desabrochado nessa mesma manhã. <br />No alto viu um girassol novinho em folha, olhando deslumbrado a grande e linda estrela que luzia no alto. <br />Era tão lindo! <br />Amarelinho, viçoso, as pétalas reflectindo a luz. <br />Pimpão quis chegar mais perto e sentir o perfume da flor. <br />Colocou-se sobre as patitas traseiras, estendeu a mãozinha macia e puxou para si o caule da planta, <br />Mas ai! <br />Uma gota fria, muito fria, escorregou lá de cima e caiu certeira sobre o seu nariz. <br />Pimpão levou um susto, sentiu um forte arrepio e correu, correu, correu...<br />Entrou assarapantado na toca e refugiou-se junto à bola de pelo macio que era o seu pai descansando. <br />- Papá, papá, está chovendo muito – gritou o coelhinho em alvoroço. <br />O pai voltou a focinho sorridente para o filho. <br />- Confusão tua, Pimpão! Choveu foi durante a noite. E também fez frio. <br />Mas assim que o sol nasceu, a chuva seguiu o seu caminho no céu e as gotinhas que ficaram reuniram-se sobre as pétalas e flores, em perolazinhas de orvalho. <br />- Mas pai! Uma gota de chuva molhou e esfriou o meu narizinho! Não estou dizendo mentira nenhuma vem ver! <br />- Eu sei o que acoteceu mesmo sem ir ver, porque quando eu era um láparo como tu também corria pelo campo de manhã e apanhava gotas de orvalho que caíam das flores que eu espreitava e caíam no meu nariz, pregando-me sustos como o que tiveste agora. <br />- Então não foi um pedaço de chuva que se atrasou e choveu sobre o meu narizinho, papá? <br /> - Não, tolinho, não foi um pedaço de chuva... As gotas de chuva são irmãs muito amigas e vão juntinhas para todo o lado embaladas em nuvens de muitas cores. O que te caiu no nariz foi uma inofensiva gotinha de orvalho que o sol deixou sobre a flor, afim de a refrescar. <br /> Caiu sobre ti, não está lá mais. Queres ir verificar? <br />Papai coelho queria que seu filho crescesse sem medo, embora no mundo dos coelhos seja necessário ser-se muito cuidadoso. <br />Pimpão respirou fundo, bateu com o pé no chão, encheu o peito de ar fresco e declarou: <br />- Vou ver de novo, papá! Verificarei com os meus próprios olhos tudo quanto me explicaste. <br />E saiu correndo, aprendendo como é bom viver escutando a chuva, brincando ao ar livre, aspirando o perfume das flores desabrochadas ao sol da manhã <br /><br /> E contar com o conforto de pais que sossegam os sustos da gente e nos explicam a arte de crescer com coragem e sabedoria.<br /><br /><br />Maria PetronilhoMariahttp://www.blogger.com/profile/09348830696466945708noreply@blogger.com0